Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

terça-feira, julho 18, 2006

JARRO ATRAVÉS DAS CORTINAS DOS CABARÉS

Hoje pela manhã eu não sou mais o seu Anjo.
Nestes chuviscos de abril a tua presença
ainda é rasa, quando arroto a faca
contra as paredes deste lado
oculto, a tua presença
existindo nas criaturas que me escapam,
talvez de outro mundo, coisa de Rama-mu,pináculos
pinturas de Goya ou lições cármicas em trânsito
nunca cumpridas
que certamente não me orientam um céu
como desligar um silêncio irreparável na sua nudez
ou um astro que sua garganta arranca na madrugada...
Capturávamos as partituras de Listz, The Cure em
Standing on a Beach para nada de novo
neste viscoso fragmento de nuvem
sobre a mesa no tempo dos luares
(onde dormem as borboletas onde Daniel joga
baralho com Clívia suspeitando
dos tufões e dos milagres luciferinos): limite
intransponível a sonolência
de embriagar-nos diante das luzes da noite,
nossas mãos se contorcendo numa obscuridade
fulminantemente vaga: desesperos
vedando a metamorfose das valquírias
neste impregnado jarro através das cortinas dos cabarés,
esperando parentes nostálgicos, considerações
a respeito da mandala, um peixe humano
uma audácia impressionante o que ocorre
nestes momentos de aves furiosas,
certamente além destes automóveis dilacerados.
E de novo hoje pela manhã estamos alcançando o limiar
do real: fluidez-emulsão
de gritos e pausas enigmáticas
(os de fora esquartejam os oceanos
através de visões clandestinas,
o auge da graça indefinida).
Preciso não mais roer vertiginosamente
os olhos de Carla
mesmo enquanto o sangue dos ladrões for alucinação
que se perde no outro lado da noite,
brotando flor madura, misteriosa...
Para que nos forjar de fadas entre os chamuscos
se esta náusea não fantasia a dor?
Não nos privaremos de razão agônica alguma...........

Nelson Magalhães Filho

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