Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, junho 21, 2007

A NITIDEZ DAS SOMBRAS

A um pássaro de teu olhar indago à chuva
se o vôo que nos enlaça inteiro se despe
enquanto o sangue passa com seu refrão
de nuvens banhando um rio de ossos.
Um íntimo adeus se espalha pelos barrancos,
como um teatro a transportar relíquias de uma
a outra boca, enigma de tráfego e caligrafia
onde uma orquestra de búzios empilha noites
na tapeçaria do deserto que o vento tece
em teu olhar, voltado contra tudo que emerge
e se esquece tão logo o beijo se esbate.
Rio de amor, oculta legenda que navega
ao pé da paisagem recortada em desigual perfil.
Ao longe uma paleta de árvores refaz teu olhar.

arte: hélio rôla / poema: floriano martins
fortaleza é nossa debilidade
junho de 2007

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