Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quarta-feira, outubro 03, 2007

Antônio Luiz Eloy (Cruz das Almas,1969-1994)

SUOR DA ALMA

Ó madureza de meu cerne,
és viril na astúcia,
sórdida na nobreza.
És pluma
que na brisa inflama...
És lâmina
que no ventre despedaça.
Dizei então abutres de alma morta,
que até a solidão arrebatais,
aonde porventura levareis
este ente de minhas entranhas?
Oxalá que o negro orvalho
da alvorada cinzenta
o fel em gotas alimente
os embriões vorazes de crueza.
Eclode então férreo carvalho!
De minha rocha mais escarpante,
com teu lenhoso seio
e tuas raízes
soberbas e caninas
que afagam minha alma
em palores inefáveis!
Ah! mas de tua copa
transluzem-me
somente as negras trevas...
Mas são apenas
calos de séculos,
calos de séculos.

Luizinho-28-08-92

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