Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.
Nelson Magalhães Filho
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)
Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho
Graça Ramos. Pintura em caixa de luz dois poemas de narlan matosDias
Quero apenas que estes dias
Retirem seus dentes de minha carne
Embora não existam, posso sentir sua pele áspera sobre a minha
É árida e atea fogo em minha pele
A luz consome tudo que toca
Eles acendem seu nada e me iluminam
Estes dias me trouxeram para o mundo um dia
Quando dormi demais e então foi tarde demais
Cuidado com estes dias !
Onde está o pássaro azul na árvore vermelha?
Estes dias lutam contra mim como um soldado no front
Estes dias criaram as ilhas Galápagos como uma criança
Desenhando numa folha de papel com lápis crayon
Eles afogaram os Andes com neve branca
E por isso não posso mais vê-lo
Mas eles descascam minha pele até eu encontrá-los de novo
E então eu encontro os Andes de novo
E encontro os Maias e suas ruínas
Submersos sob a hera das palavras perdidas
Estes dias não me deixam escapar de nada
Narlan Matos
A Profecia
Oh flores sem nome sob o céu claro
Oh colunas romanas de pé contra minha loucura
Oh moscas do mundo, uni-vos sobre minha mesa!
Oh ninhos de vespas negras da véspera
Ascendei uma vela, uma vela vermelha para o sol matinal
Deixai que os ventos torçam vossos braços e vosso cabelo se levantará.
Oh lagartos azuis do sliêncio deitados nos vales da eternidade
Oh ilhas do Pacífico Norte, eu vejo vosso muro branco
Oh pântanos de mitos e fábulas e contos, eu vos ignoro
Cantai um acalanto para as frutas mortas no jarro sobre a mesa
Abri vossos olhos e então sede cegos pela luz
Oh vós que haveis retornado dos mortos
Dizei o que hás visto
Dizei onde estiveste
Há alguma verdade à qual possamos beber nesta noite?
Narlan Matos
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