Nelson Magalhães Filho - da série ANJOS BALDIOS
CANÇÃO DOS CÃES DE LUZ
Naquela tábua horizontalmente assentada
onde indivíduos maus incriminam-se ao partir do dia,
e tantas aspersões com gotas marejadas das lamúrias
em cada lugar ermo desta cidade indecorosa...
Num só instante daqueles olhos iluminados
pela lua arroxeada e estrelas vermelhas: fomos
todos nascidos do mesmo pai e da mesma mãe
entrelaçados pelas pontas dos cabelos
bruxuleados por um breve laço de amor: sim,
poesia para deliciar nossas almas de lírios selvagens
ó fragmento orgíaco da
purificação, a brutalidade
irada dos viajantes sombrios
embriagou-me naquela mesa
sob estrelas vermelhas queimadas em minha mente.
Não foi necessário prolongar meus pés nus: ainda
não era o tempo das tormentas
pois a ansiedade dos lírios selvagens não são para sempre
e nosso amor será rasgado pelo veneno
e pelos cometas ó
divina inspiração: êxtase
supremo da libertação a que nada
falta das forças de nosso inferno!
Os amigos não precisam ser lamparinas
para nos conduzir até o jardim.
E quando a madrugada foi violentada por minha euforia
acendi o sol negro, derrubei rezas mortíferas,
penetrei as mãos no
fundo do coração
e arranquei por fim a beleza trágica
de beijar a inquietude de meu demônio.
Nelson Magalhães Filho, em As
Luminárias , 1982
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