Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, novembro 09, 2006

Foto: Márcio Lima

ESTRELA PEREGRINA

Estou na vida. Sei-me
Memória gira pensamentos
Memória gira lembranças.

Estou vestida de mim. Presente.
Sombra reflete andanças, imagens
Sombra reflete em espelho nu.

Estou invisível. Acorda o sonho.
Incauta ultrapasso os sentidos
Incauta ultrapasso os abismos.

Estou na vida. Sei-me
Inexorável embaralho estrelas
Inexorável leio estrelas.

Estou na vida. Atemporal
O destino ressuscita suspiros
O destino ressuscita correnteza.

Estou em romaria. Perenal
Sob a pele de chuva do meu amor
Sob a pele de estrela peregrina.

Lita Passos

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