Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, novembro 09, 2006

Nelson Magalhães Filho. PAISAGENS QUE AS CRIANÇAS URBANAS COMERAM, 1995, mista s/tela, 185X145 cm

Veja se atravessa dentro de mim, são anos de beber folhas de nínfeas eu todo vestido de máquina das odisséias amargas tingido de ilusão, atirando casca de laranja na chuva das urânias, como a DAMA LUA de Pollock, dizendo numa carta que ser poeta é levar o abismo na alma. Por uma estranha certeza eu acreditava que as ruas afundaram. Se fuderam como se nunca, atrás de nós, irrespondíveis os quartos à luz de garotos podres & das reproduções de Bosch. Sangro ao sax do Erik Satie & o que está incrustado em mim é a fundura de um vendaval proibido. Ainda gosto de brincar com aquele gato de olhar corrosivo dos aguaceiros vomitando as paisagens que as crianças urbanas comeram com os insetos& as divindades, gravando na memória dos becos & nos asfaltos os sonhos dos meninos, indizíveis. E o sorriso alguns anos escuros na crueldade... alguém me dizendo não aos seus medos (mussitação que saía de seus lábios grossos) alguém rasgando a sua pele despindo-se com desenvoltura alguém me acariciando o peito deixando fluir seu brilho desesperado alguém me dizendo que já não acha loucura tragar estrelas como cigarros de haxixe quando as cores de todos os seus olhos saravam minhas feridas.

Nelson Magalhães Filho

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