Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

segunda-feira, março 05, 2007

Pintura de Hélio Rôla

LETRAS SOBRE A CARNE

Tua voz dissipada entre taças de rumores
em que dizer é precisamente ocultar.
Banquete de deuses no espelho de teu corpo.
Música de pedras, olhos do obscuro,
as sombras que iluminam tua ausência.
Vens às palavras,
jaulas de cristal da noite que te recria.
O que dominas o fogo rapta:
o silêncio, a posse de teus bens, as carnes
de uma escritura que se desmancha no ar.
Máscaras de um feitiço interrompido,
lacre violado de tua lição do oculto.
Uma sílaba nos persegue até a morte.
Lâminas de gestos, um movimento, o poema
se retrai. Não sobrará nada de ti
para a revelação do amor.

Floriano Martins

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