Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, abril 24, 2008

SOBRE AMOR E BLUES

foto de Ellen von Unwerth
O amor não é assim tão simples. Falávamos de bisturis e de como você consegue arrancar tudo aqui de dentro, me deixando assim, oca. Só porque perguntei como alguém oco pode amar... essa pergunta idiota. Amando, porra. Até bonecas infláveis amam e, melhor, não reclamam de nada, nem do movimento da música, do ritmo descompassado e dos pisões nos pés. Essas coisas das quais eu me enchia pra descarregar em você. Meu vazio me deixava mais segura, e ainda deixa.Acho melhor que você ame as infláveis. Antes elas dos que as instáveis. Palavrão que você adora, esse. Não entende nada de mulheres. Nem elas mesmas e vão todas às putas que as pariu. E te pariu. Arrebentou minha sandália, me deu torcicolo e ainda acha ruim quando eu reclamo da sua falta de aptidão pra dança. Te pago as aulas, desde que você leve a boneca. Nada de cintura quente roçando nas mãos, a professora é viúva e nada alegre. Estou na tua cola, não pise em falso, não pise em meus pés, aliás, recomendo que, comigo, você pise em ovos. Não, não nas nuvens. Quem falava em blues? Eu falo da vida, falo do amor e dessas coisas que você desconhece. Música não é tudo, e o amor não tem nada de fácil. O amor é só descompasso. O amor enlouquece marca passo, o médico não recomenda. Peça ao doutor pra te emprestar um bisturi mais moderno, aí, quem sabe, você, ao invés de arrancar tudo e deixar o oco, arranca o oco e me deixa tudo. Me deixe tudo e leve a boneca, os pés, bisturis, mate as aulas de dança e jogue fora as sandálias. Não esqueça o torcicolo. É teu, te concedo, amor.
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Samantha Abreu
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4 comentários:

Senhorita B. disse...

Valeu, Nelson! Se eu não achar, te falo.
Abraços,
Renata

Luciano Fraga disse...

Buenas,texto difuder,lembrou-me o livro: "o amor é uma coisa feia".

Samantha Abreu disse...

Puxa, Nelson!
Obrigadíssima!

Um beijO!

Anônimo disse...

Concordo com luciano, lembrou o livro de Gustavo Rios.