Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

sexta-feira, agosto 15, 2008

labirinto em olhos de madrugada

Colaram figurinhas
nos olhos das meninas
que não sentiram as lacraias
roubando a madrugada.
Atrás dos muros dos quintais
além dos abacateiros,
a tarde cai diferente
acima do estranho jogo de garrafas
entre os meninos
da rua João Gustavo da Silva.
Um labirinto malígno
pela cidade urinada.

Nelson Magalhães Filho

Foto: NMF

2 comentários:

Zinaldo Velame disse...

Lembro-me desse poema, você apresentou-o em frente ao Poema Bar no lançamento da revista Reflexos, Domingos ficou alucinado e foi contar para Mói: "Nelson estava estranho no Poema Bar, não o reconheci". rsrsrsrs... Noite maravilhosa! As meninas continuam cegas e a cidade urinada, NMF, bem atual estas palavras. Abraço!

anjobaldio disse...

Valeu Zinaldo, grande abraço.