OPINIÃO
O trabalho do artista plástico Nelson Magalhães Filho, nomeado por ele de série dos anjos baldios 2008, tem já em sua nomeação uma decisão estética, ato de um artista que não somente preza a técnica, mais maduro, pode compreender todo o valor de uma composição, uma vez que a intitulação nos leva para uma caminhada, uma série começa, mas, quando termina? E o que busca? O que caminha? E prá onde caminha? Tem a composição nelsoniana já esta busca pela verdade, e não o encontrar de uma verdade, uma vez que são anjos, mas baldios que mesmo nos ignorando, dos seus olhos nos implora dor. Beijam-nos com e na sua dor. Olhar o quadro da série é beijar a minha dor mais guardada. O trabalho do artista plástico Nelson Magalhães Filho, intitulado de série dos anjos baldios, tem um estranhamento, que somente os grande artistas possuem, sua obra um corpo sagrado numa sinfonia de acalentos, onde um crime foi praticado, um crime perfeito, e a perfeição é que é o próprio crime, porque elimina a vida, e é contra essa perfeição que o mundo dos anjos baldios se voltam, pois eles sabem que o crime é mostrar o real, e realizar o real, é fechar o viver nesse pretenso real, reduzindo a vida ao meu entendimento dela. Pra ser perfeito o crime tem que eliminar a perfeição, portanto não há crimes, há dor e sombras sofrendo por entre dedos e prosas em ninhos, onde é a vida que escondida repousa para sempre. No quadro que agora eu olho, não vejo medo nos anjos baldios, mas gestuais míticos nos doando a vida como um presente e não como uma cobrança, é a vida que escapa dos quadros de Nelson para aquele que o olha de frente, é a vida que não existe em mim que me olha de lá me dizendo: veja o meu sangue, o meu sangue é derramado na vida, na caminhada, nos encontros, nos desencontros, e tudo isso é dentro, é a vida inteira dentro e você sabe que é a vida que lhe olha porque você não pode olhar a vida. E todo esse diálogo, quadro versus platéia, assusta aquele que olha pela primeira vez uma obra deste artista. Nelson tem que ser digerido lentamente e sem medo de sentir medo, é a minha vida que treme dos quadros dele. Toda a geografia desta obra nos remete em cada detalhe em direção a um mundo cru, estranho e único. Eu não vejo mais a obra do autor, eu vejo a minha dor, a minha vida fora das telenovelas, fora da meta – narrativa. Aquilo que eu vejo, não é o que o artista pintou, o artista pintou meu intestino, meu coração pesado, e minhas lembranças-lambanças. Finalmente eu abro os olhos e tomo coragem: estou agora de frente para o quadro, que por sua vez não me olha, parece olhar para uma platéia maior, como um personagem trágico do teatro grego com suas máscaras, com suas dores e sua sofrida dignidade. O quadro me mostra duas figuras que se entrelaçam e pode parecer uma única pessoa, por outro lado nos traz uma imagem que tanto pode ser a figura do pai e do filho, como do opressor e oprimido, mas essas informações são primárias, elas não estão ali, é a minha limitação que dita a minha leitura, depois o quadro começa a falar, e meu corpo como o corpo da obra sente a presença de um algoz e vítima de si mesmo simultaneamente. Faz-se importante salientar na série dos anjos baldios alguns pontos: primeiro que não encontramos ali a dor em demasia, a composição se completa em uma economia da dor, a obra tem na sua tragédia mais que um sofrimento e sim uma vontade de expressão que explode em um grandioso espetáculo trágico. Também se faz importante destacar a produção do conhecimento, é o conhecer que a todo custo o quadro quer, insiste e perpassa toda a sua potência, potência
de conhecimento, exalando no viver, o caminhar. Para minha visão, se destaca entre cores fortes que mais parece meu grito, duas figuras humanas, uma de pé e outra ligeiramente à frente e com o pescoço contorcido para trás, parecendo protegido pela figura maior. Há duas informações se afirmando, uma figura parece segurar a outra com um braço que gigante desmorona uma possível cordialidade, mas também se revela uma mancha por trás deste braço ameaçador, um outro que se esconde insinuando uma possível inutilidade, e uma outra figura que olha sem licença direto pra minha ausência. Nelson não pinta aparências, e neste seu quadro não há pessoas, antes sombras que teimam em um não viver, é a denegação da vida em murmúrios doces, presentes em cada gestual da cor. Sustentando um blues, Nelson nos acalenta com a firmeza da mãe que balança nos braços, cantando músicas de ninar pra dormir o filho morto, mas por outro lado, Nelson não busca a catarse, ele não aceita continuar embalando o filho morto, e essa imagem é superada no braço que inútil se esconde entre os corpos e no algoz que é vitima e na vitima que é algoz. É no corpo que Nelson grava a sua história, e é no corpo daquele que ver o seu quadro que é definido no sofrimento uma meta, pois os olhos das sombras olham pra fora do quadro, olham pra frente e pra bem longe de ambos, eles olham a vida, e a vida tá lá fora, e é só lá fora que tudo ou nada pode acontecer, pois a vida não está no quadro, a vida pertence a quem olha o quadro, e é só lá fora que pode haver interesse no quadro, os personagens se tocam, mas se ignoram, não existe relação, há exclusivamente "um estar ali", "um não estar no mundo", e tanto pode ser uma brincadeira do meu próprio mundo, como uma lição tardia. Nada está no quadro e sim tudo está fora dele. A vida está fora dele, a morte está fora dele. E inutilmente eu brigo com essa sombra o tempo todo a me não olhar, e perversamente sempre a me ver e insistentemente a me dizer: você não me olha, você olha você. É em você que reina tudo o que você pensa que vê aqui, é apenas você como realmente você é. Venha, se olhe e viva.
Ronaldo Braga
http://www.ronaldobragas.blogspot.com/
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