Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, dezembro 18, 2008

Nelson Magalhães Filho. ANJOS SOBRE O RECÔNCAVO 2008, acrílica s/tela, 70X50 cm

Ames a derrota como se fosse o triunfo e aceites o triunfo como se fosse a derrota. É preciso ser derrotado. É preciso ser ridículo: é preciso ser o mais ridículo que se possa, beirando à imbecilidade. É preciso que os outros passem e digam, com superioridade, pena raivosa, indiferença: néscio. Idiota. Abobalhado. Caprichosamente babaca. Extremamente necessário é que essa idiotia seja acompanhada de um sentimento nobre de orgulho. O orgulho de ser um imbecil completo. Imbecil com preciosismo. Débil com cinismo. Abestalhado com precisão.

É preciso que se ponha a nu em público, como nos sonhos de alguns. Não como o rei que está nu e pensa que está luxuosamente vestido, mas como o mendigo, o louco, o vagabundo que sabe que está nu, nu e com pompas – luxuosamente nu. É preciso ainda ser gozado, que os outros passem e sussurrem, e comentem e urrem, que sua existência é um atentado ao pudor. Um atentado à academia, ao legado da civilização, ao senso comum, à norma, à moda, às condições normais de temperatura e pressão, às top models, à cultura, à associação brasileira de normas técnicas.

É preciso fazer do defeito escancarado, do erro, do desacerto, a razão própria e alento único do existir. É preciso que o superego durma babando e roncando no mijo da calcada pública, mas é preciso ter uma grande alegria eriçando cada pelo e uma grande bondade habitando em cada poro.

E é absolutamente preciso que chova então, e que se chore, caso haja o desejo. Ou é preciso uma enorme gargalhada para abafar as buzinas do trânsito. É preciso que tudo – absolutamente tudo – esteja inundado na imprecisão. E que se durma dois dias seguidos e que se acorde sem saber em que dia da semana estamos, nem do mês, nem em que mês estamos. E é ainda preciso esquecer a idade que se tem, precisando refazer as contas a partir do fatídico ano do nascimento. É preciso fazer aniversários e se esquecer, mas com uma dignidade senhora de ser um ser humano atemporal.

Então, úmidos, frágeis, recobertos de sangue como fetos letrados, é preciso sentir o primeiro frio do nascimento. O choro não é preciso. É preciso estar recém nascido a cada segundo, e ser o filho bastardo do mundo, rejeitado, enjeitado, manco, aleijado, deformado, congenitamente inviável. E, então, aí é preciso amamentar-se com muito deleite, mansidão e calma... e multiplicar gestos amorosos e primeiros sorrisinhos sobre os nossos carrascos.

Marília Palmeira

(Marília é estudante de Artes Visuais na EBA/Ufba)

3 comentários:

fabita . disse...

nossa, alguém que gosta de efraim medina reyes! fico feliz... bem, não sei, querido, até a comunidade do efraim no orkut foi deletada, então fiz uma nova. acho que ele não quer mais vagar entre nós. mas se eu souber de algo, te aviso. obrigada pelo comentário. abraços & até.

Anônimo disse...

Puta que pariu! Magnífico!

graça sena disse...

Putz, menstruei! Raio de texto detonante, nos vira pelo avesso até a mais remota víscera.