Fábulas de figueiras imoladas dentro da noite,
por acaso astúcias são imundícies?
Viva a prosódia abocanhada suscitando indagações.
A música vinha pela janela, parecia o noturno
em fá sustenido de Chopin nesta noite alheia
que peguei num livro do John Fante.
O quarto amanhecia como um perfume arrogante,
sei lá, mas era o alvorecer.
Às vezes Cândida gostava de reter a manhã
em suas mãos sempre cálidas: “você prefere tocá-la mais tarde?”
Ah, esses sinistros quintais, essas noites de pelúcia
(talvez saídas de alguma gravura gótica
ou de um cochilo do Albrech Dürer).
Tudo isso é Cândida, que sofre
de indisposições imaginárias. Navegávamos
nas porções de folhas arrancadas pelas influências
malévolas dos tempos recuados
e o céu desta cidade ameaçadora é como um besouro
perdido dentro do espelho notívago
(como dois grilos brigando cri cri cri) lagarta
de fogo na parede encarnada do quarto.
Decidimos no caminho ver tudo que fosse bizarro
e anotar no diário: sandália pelo avesso,
osso de jasmim, ouriço-do-mar, carretel com linha, etc.
Aí veio o mesmo ímpeto, uma maldade intensa
e celestial apossando-me e tecendo meus vasos sanguíneos
e bebendo mandrágoras, a visão...
não é muito provável que a lua embaciada
adormeça amanhã. Lá vem Fernando Pessoa
e Lupicínio: os camaleões são eternos
e inatingíveis. Um relógio ancorado
numa estrela em vaivém e o mundo é varrido
pelos anjos de mau agouro, tricotar
teus cabelos minha amante buliçosa borboleta
talhada no peito, bebo tanino, farejo
um segredo num deserto improvável a busca
do bálsamo, olor das vestes rasgadas
nestes apontamentos absurdos encurtando
minha expíação cortes profundos e estreitos,
nosso futuro atávico, talismã tatuado sempre na dor...
Nelson Magalhães Filho
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Há 2 dias
6 comentários:
Nelson, poema arrebatador - rico em citações que abrem grandes janelas dentro do texto! As imagens, como sempre, uma dezena delas e todas assustadoramente perfeitas: tem um vermelho se repetindo aqui e ali que é de uma força estranha, quase incomoda. Sangue mesmo. Abraços.
Buenas, uma verdadeira bomba H, regada a Lupicínio,corroendo as vísceras do meu tempo diante de um "relógio ancorado",grandioso, abraço.
Muito bom, Magalhães! Este poema foi arrancado do fundo e bota fundo nisso. Abraço!
Tu escreves bem para c&*%$!
Beijo.
MUITO BOM!
MEIO FRÁGIL, MEIO FEROZ!
GOSTO MUITO DESSE TRABALHO!
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