Nelson Magalhães Filho. Desenho em acrílica s/papel, 11 X 16cm.
ENCARCERADO ADENTRO DESTA QUIMERA
Estou preso dentro deste sonho. Já presenciei várias mortes pela ilusão. Da última vez que tive aquela quimera só consegui acordar depois de treze luas. Vinham inúmeros devaneios dentro de outros sonhos cada vez piores. Você já viu o animal que come a nossa imaginação? Pois é, eu me estranho o tempo inteiro. Até no espelho não me reconheço. Eu me pergunto: o que posso fazer com o que assisto diante de meus olhos?
Sou um estrangeiro em mim mesmo. Tenho que velar por aquilo que Deus me deu. Tanto que tenho que devolver esse corpo a ele. Recebi emprestado.
Olha meu ardor: a floresta. A quietude a gente inventa dentro de nós. Senão o pássaro vermelho vira folha seca.
Não tenho medo de nada. Só tenho temor de mim mesmo. O homem não tem limites, nem domínio sobre si. Eu não sou um homem carente: eu tenho canino e tesouros guardados.
Se eu cerrar meus olhos aqui, já estou percorrendo paisagens bem remotas. É segundo por segundo. Só não posso gritá-las, mas posso gravá-las. É só fechar os olhos e já estou vendo uma passagem, uma vereda, umas cabras... é encostar os olhos no nada... é um lance bem ligeiro, feito um lampejo... não sei elucidar o acaso... eu não alcanço o que é.
Aqui é o paraíso obscuro. A vida é isso aqui. Folha verde, folha seca quando desaba. A areia da terra. Vim do além. Hoje não anseio ser nada. Meu céu é isso aqui. Mas apeteço ir mais bem longe. O amanhã é alongado pelos meus pés. Meu sorriso germina em minha essência. Ódio e convulsão não estão em mim.
Na subida da ladeira veio aquela cerração e me envolveu pelo pescoço acima. Fiquei vendo eventos bizarros. Eu sei por que eu naveguei misericórdia. Nada a mim calha sem que primeiro eu tenha visto. Vejo tudo bem intenso. Estou sentado, sopesando, não se pode mentir nunca. Às vezes noto vindo em minha direção uma xícara de café bem quente para eu tomar, mas quando vou pegar... nada, apaga-se no ar. Evanesceu.
Quando os fatos estão para ocorrer sou ajuizado não sei por quem. Não me deixam imaculado não. Eu não sei quem é que me apresenta.
Às vezes estou jururu, acabrunhado. Eu sou um outro eu. Ninguém tem testemunho de nada. O mundo é um engano, é uma manha que a gente adquire com as trovoadas. Hoje se vive no medo, na desesperança.
O cão é o mais perfeito amigo do homem. Tenho um pacto forte e muito antigo com meus avós. Essa coisa de gostar de viver no mato. Existe a luz e as trevas, mas eu não tenho religião nenhuma. Religião não protege ninguém.
Preciso pelejar contra mim mesmo. Todo o ser tem o seu amanhã, mas não sabe a forma como ele vem. As profecias são perniciosas. As coisas vão agravar cada vez mais. Tudo está deteriorado, a epidemia vem de fora para dentro. O tempo é de perversão. Tudo era verde, vem o vento e tudo vira folha seca. Tudo que sinto não emana de mim mesmo, mas do céu.
Não tenho pesadelos. As coisas que estão pra me acertar eu corro bem antes. Chamam-me de mandingueiro. É só cerrar os olhos que abrolham cidades ancestrais. Não existe coisa horrível. Não tenho medo de meu coração. Sou um homem de vida simples. Não me deslembro de nada. A imagem do mundo é lágrima de sangue.
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