Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

domingo, agosto 03, 2008

Nelson Magalhães Filho. Série ANJOS SOBRE O RECÔNCAVO 2008, acrílica s/tela, 80X70 cm


Como os que não sonham
gosto de caminhar vagaroso
por lugares vazios
nesta ornada madrugada de chumbo.
Não vou carpir os sentimentos
que passam ilesos minha doce
mulher carmesim, apenas
arrisco estranhas canções no velho piano.
Em agrestes vôos chafurdo
como inusitado pássaro estridente
e a madrugada tem olhos de ravina
ou de groselha. Lágrimas faz tempo
que chove a cântaros
e nas bordas do muro de gerânios
cobrejará um astucioso gato pardo.
Fico quieto e adentro o ardor,
lá no quintal tem um anjo
que queima à noite toda.

Nelson Magalhães Filho

3 comentários:

Luciano Fraga disse...

Buenas, simplesmente maravilhosa e a tela acima, sem palavras.

Bernardo Guimarães disse...

...que todos os anjos lhe protejam.
Leia meinha ultima postagem "Anjos Baldios".
Seu texto é como sua arte em tela: maravilha!!
Abraço

anjobaldio disse...

Valeu Bernardo. Grande abraço.