Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

sábado, setembro 06, 2008

Nelson Magalhães Filho. ANJOS SOBRE O RECÔNCAVO 2008. Acrílica s/tela, 80X70 cm

(toco guitarra mal prá porra) enquanto
ouvia “a means to and end”, um
tributo para Joy Division…
ou bebendo absinto nas noites mais carnívoras
e depois uivar para uma lua
apodrecida entre meus dentes
cingidos por amores-carniças...
Nestes luares ameaçadores de outros insetos
danosos penetram pela janela de meu
quarto oco das carnes mornas onde
avisto o mar amarelado
(som de Elis Regina no rádio).
E no céu apenas restam alguns destinos,
a rua conturbada pelos automóveis velozes
as jovens putas com seus perfumes de carne
e seus olhos famintos pelas ambrosias
mas que se fartam de conhaque barato:
(agora ouvindo Chavela Vargas no micro-system)
ANOTAÇÕES SOBRE A CLANDESTINIDADE DOS SONHOS:
Vai chover outra vez assaz
esta noite de natureza estúpida
talvez apenas um refúgio obsoleto
sobre encantamentos, ou corvos vermelhos
pairando além das ruas brutais: aprendizado
do desespero, verterá sangue
a formosura trágica entre as frestas da insensatez
porque é assim que os anjos nos beijam o cú
quando não estancamos a disseminação que delira
nossos ossos,
nossa hóstia consagrada na barriga podre
das vacas...

Nelson Magalhães Filho

8 comentários:

Luciano Fraga disse...

Buenas, voltou com uma fábula violenta. Desde a noite de absinto com o Sr. Mentira, fiquei no aguardo deste poema, um tiro nos colhões, como recompensa, grande abraço mestre.

Ruela disse...

Foda-se que poemão ;)

Abraço.

Senhorita B. disse...

Nelson, querido,
Adoro seus quadros. Els têm força, estilo próprio.
Mudando de assunto: você tem notícias do Pablo?
Abraços,
Renata

Senhorita B. disse...

Vou escrever para ele. E o Vestígios tb tá inscrito nos 5 minutos.
Abraços,
Renata

João Filho disse...

Nelson, o sebo fechou (acho que já te disse isso), mudamos de apto e de bairro, quer dizer, de alguma maneira vamos nos movimentando; pelo menos é em direção ao mar. Um grande abraço e vida longa.
p.s.
Via email eu te passarei o novo endereço.

Lupeu Lacerda disse...

nelson,
puta texto meu camarada!
sonoro, visual, com tintas fortes e berrantes.
li, reli, tornei a ler.
ducaralho.

Zinaldo Velame disse...

Magalhães, quando você falou que iria publicar um poema forte, eu pensei, vem coisa aí para arrombar as estruturas, e veio. "...os anjos nos beijam o cu...". Beleza, Professor!

Anônimo disse...

Obrigado a todos os amigos que fizeram comentários aqui. A gente vai experimentando se expressar com as palavras... É muito difícil mesmo escrever. Grande abraço.