Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

sábado, maio 27, 2006

camaleão caído de peixes em chagas
vai embora com os ratos.
consulta oráculos, iniciação de pântano
pela tua saliva,
infiltra segredos de séculos na carne
até aves de rapina definhem
tuas asas pardacentas
cubram a mágoa e os sinais.
teu destino,
sangue e outras luas.
tua vida, dois acasos no tempo
vestígios de um ventre espesso.

Nelson Magalhães Filho
lua negra diabólica da minha janela
roça tua pele insólita
de areia lambuzada tão soturna
com os morcegos
alheando-se de meu quarto

as feridas já são dentes crivados
no corpo
vejo gente navegando na cinzeza
das ruas
- gengivas rasgando a língua
língua colada boca-a-boca
as pessoas tão ocultas
em meu corpo lodoso das esperas roídas
lua negra diabólica da minha janela
roça tua pele insólita
não quero morder tua
boca queimando as neblinas
da vaguidão.

Nelson Magalhães filho























Da série Anjos Baldios - 2004
Mista s/papel craft, 120X105 cm























Da série Anjos Baldios - 2004
Mista s/ papel craft, 120X105 cm

sexta-feira, maio 26, 2006
























Desenho da série Anjos Baldios - 2004
Técnica mista s/papel craft, 120X105 cm



















Desenho da série Anjos Baldios - 2004
Mista s/ papel craft, 120X105 cm
te amo quando se derrama a angústia
e a dor negra
cheia flor de goivo,
quando os bruxos-lentos
esfregam-se excitados
sobre teu corpo de amêijoa,
e esta face presa
no tempo decepado
:que eu tragaria-amor
como se fosse, nós:

uma nuvem de sangue-prenha
das entranhas pairando
bem no meio de meus dentes
lambidos da urânia................
..................meu bem, ainda que
todos os anjos sejam terríveis
ou que esse vazio-absurdo
espete sinistramente
a imundície de nossa carne.

Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, maio 25, 2006

agora desentregar-me-ia
sufocantemente às damas
das ruas fedidas-devorado
e adoecido pelas velhas luzes
que vão e que voltam, porque-vesânico:
prostituindo-me pouco a pouco
errando-me nas coxas de begônia
jorrando-me nas mães estreitas
esmago
momentaneamante esse desvario.

contra os postes e os automóveis
cintilantes por causa da lua
de monstros-latiam
porque sitar remosa:
alisas meus cabelos
ranges meus ossos
desmelancolizados
através das doutrinas secretas
de tua agudez
pré-histórica.

Nelson Magalhães Filho

terça-feira, maio 23, 2006
























Da série Anjos sobre o Recôncavo - 2005
185x145 cm
Técnica mista s/ lona























Da série Anjos sobre o Recôncavo - 2005
185x145 cm
Técnica mista s/ lona

sexta-feira, maio 19, 2006

viajo nas marés sequiosas
noites sopram tremores de papoulas.
então tinjo-me em seivas
noites sorvendo teus lábios
até findar os tempos.

Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, maio 18, 2006

ontem à noite, numa ânsia lunar,
comi algumas hortênsias, antes
de lançar-me em navios de vômitos.
a noite era desértica
e seus cabelos, longínquos.
na noite crisálida
os besouros não eram negros.

Nelson Magalhães Filho

terça-feira, maio 16, 2006

O INCESTO AFOGUEIA-ME

O incesto afogueia-me
quando crua afundas
no desejo.
Retorces em mim
sabor incerto.
Estou girassol com náusea,
provo de meu rosto
oceanos
migalhas.
Nossas unhas arrancadas por monstros
por pastores
nas entranhas do bosque.
Carrega-te o impreciso sinal da morte!
Rezo tragando flores
num vômito de sêmen,
empurro com a brutalidade das cicatrizes
as negras portas do céu em vísceras
não me deixes, não me deixes...

Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, maio 11, 2006

INVERNO

Debaixo da chuvarada
ele avança para casa
depois de cruzar a ponte (um céu verde escuro)
2 ou 3 casas ainda
na esquina ouvindo um finíssimo violino e
lembrar os anjos fatigados de Kerouac.
Chegando, contempla-se
estranhamente
num espelho com gramofone
junto a cama.

Nelson Magalhães Filho