Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

segunda-feira, julho 24, 2006


















Companhia dos Anjos Baldios apresenta, Pablo Sales em: ALICE.
Um vídeo de Nelson Magalhães filho.




ALICE será apresentado nesta quarta-feira (26 de julho) dentro da Mostra de Curta Metragem Fantástico de Ilha Comprida (SP).



Numa noite avermelhada por estranhas paixões, um homem transtornado liga para ALICE de um telefone público, dizendo que está sendo perseguido por pessoas bizarras, enquanto ele se dirige para o mar. Com Pablo Sales. Edição: Valdique Medina e NMF. Música: Zé de Rocha e Zinaldo Velame. Baseado no conto de Pablo Sales. Duração: 12: 22 min. 2006. Roteiro, fotografia e direção de Nelson Magalhães Filho.

quinta-feira, julho 20, 2006
























Da série Luares Sinistros - 2004
Mista s/ papel craft, 100X80 cm
O BEIJO MORDIDO PELO PÓ DE LÓTUS AZUL

Naqueles dias sempre me perguntava:
por que peixes e estrelas estão sempre juntos?
Cheguei às 3 da madrugada e liguei o rádio:
"ao sentar-se junto no parque
como o céu à noite na crescente escuridão
ela o viu e ele sentiu uma faísca
tingle to his bones..."
Tinha assistido O Importante é amar
do Andrzej Zulawski,
tudo naquele interminável sonho de inverno,
nem sei se chovia pelas ruas os micróbios
e as auréolas rosas de computadores interdigitais
exterminando os miseráveis
com seus morcegos da Babilônia
já dissipando-se da Praça Senador Temístocles
convertida em labirintos de gardênias
naqueles dias cheios de esperanças
quando, sem que houvessem ressonâncias de desejos
se moendo uns aos outros,
infundíamos uma crença de sereias...
Escrevo uma história isenta de relógios
ou temporais escapados dos telhados,
fabricando orelhas com papelão de sapateiro
como minha avó fazia
sem que ninguém a visse nas imensas noites,
conservando cachos de glicínias em seus cabelos
(a fênix neste oráculo),
e sei que meu corpo é o navio medieval
na lerdeza das revelações:
- Dizei-me em que terra
se encontra Taís de François Villon
ou qualquer cristal de Herzog.
Se tudo isso é bizarro?
Gritem que os olhos encravados de Lorca
viram a branca parede em que urinavam as meninas,
gritem que o carisma metálico da cidade
enforca teu riso no céu de minha rua,
esse nosso beijo mordido pelo pó de lótus azul.
Lembrei-me duns trechos assim:
"Isso não é um lamento, é um grito de ave de rapina.
Irisada e intranquila" a lágrima na face
insana de Lucienne Samôr.
Lembrei-me de outras,
eu pintava A Luta de Jacó com o Anjo
enquanto uma luz apodrecida plantava peixes
e estrelas em teu corpo.
Egon Schiele lograva em ameaçar com as pontas dos dedos
corroendo espelhos e gestos
já não depuram o mal de cada expressão.
Resvalo meu olhar nesse tempo.
Não se concederá tecer o jogo ambíguo de Kaspar Hauser
a palavra acanhada desta história
turva a frágua
manobrando artimanhas.
Existem outras coisas lembrando relatos
de encantamento, cera de abelha, um anoitecer
relicário de óleo de rícino, anáguas, manjericão
e agora eu tinjo teus cílios com jurubebas
parentes de copaíbas e milagres.

Nelson Magalhães Filho

terça-feira, julho 18, 2006



Da série Luares Sinistros - 2004

Mista s/ papel craft, 100X80 cm

JARRO ATRAVÉS DAS CORTINAS DOS CABARÉS

Hoje pela manhã eu não sou mais o seu Anjo.
Nestes chuviscos de abril a tua presença
ainda é rasa, quando arroto a faca
contra as paredes deste lado
oculto, a tua presença
existindo nas criaturas que me escapam,
talvez de outro mundo, coisa de Rama-mu,pináculos
pinturas de Goya ou lições cármicas em trânsito
nunca cumpridas
que certamente não me orientam um céu
como desligar um silêncio irreparável na sua nudez
ou um astro que sua garganta arranca na madrugada...
Capturávamos as partituras de Listz, The Cure em
Standing on a Beach para nada de novo
neste viscoso fragmento de nuvem
sobre a mesa no tempo dos luares
(onde dormem as borboletas onde Daniel joga
baralho com Clívia suspeitando
dos tufões e dos milagres luciferinos): limite
intransponível a sonolência
de embriagar-nos diante das luzes da noite,
nossas mãos se contorcendo numa obscuridade
fulminantemente vaga: desesperos
vedando a metamorfose das valquírias
neste impregnado jarro através das cortinas dos cabarés,
esperando parentes nostálgicos, considerações
a respeito da mandala, um peixe humano
uma audácia impressionante o que ocorre
nestes momentos de aves furiosas,
certamente além destes automóveis dilacerados.
E de novo hoje pela manhã estamos alcançando o limiar
do real: fluidez-emulsão
de gritos e pausas enigmáticas
(os de fora esquartejam os oceanos
através de visões clandestinas,
o auge da graça indefinida).
Preciso não mais roer vertiginosamente
os olhos de Carla
mesmo enquanto o sangue dos ladrões for alucinação
que se perde no outro lado da noite,
brotando flor madura, misteriosa...
Para que nos forjar de fadas entre os chamuscos
se esta náusea não fantasia a dor?
Não nos privaremos de razão agônica alguma...........

Nelson Magalhães Filho

sexta-feira, julho 14, 2006
























Da série Luares Sinistros - 2004
Mista s/ papel craft, 100X80 cm
tua navalha abre os segredos selvagens da noite
e te amo com a crueldade do veneno lançando golpes de mar
e acender-se-ia velas em teu corpo profundamente blue
desesperadamente possesso pousar os lábios carnudos de vermelho
como bazuca retorcendo tua mordida seca de réptil
provocando intensa narcose capaz de perturbar os malditos querubins escondidos nas entranhas dos lagartos tomando conta de mim
te amo e rasgo um por um teus bálsamos luarizados
tuas carícias despojadas de sentido
depois das horas ocas
que me importa
se a vida me estupra com suas ruas pungentes que não nos levam
a nada no fundo deste inferno
...................se eu não posso te
beijar te quero demais louca sem disfarce
a fronte emudecida ouvindo 15 invenções
a 3 vozes de bach feitiços este nosso amor
barroco
roubando-me anjo-vertigem animal-fogo
o quanto me custa para sentir passar a língua
no teu ouvido e gemer despedaça o couro
do sapato marrom nas paredes
os cartazes políticos urdindo seixos cospem na pia hirsutos-
trêmulos-de-estrela-flor-guizo voluptuosamente ai que dor,
não sei porque este raio de lua apedreja minha cara
eu não quero me trancar todo de borboleta.

Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, julho 13, 2006



Da série Luares Sinistros - 2004

Mista s/ papel craft, 100X80 cm

quarta-feira, julho 12, 2006

LABIRINTO EM OLHOS DE MADRUGADA

Colaram figurinhas
nos olhos das meninas
que não sentiram as lacraias
roubando a madrugada.
Atrás dos muros dos quintais
além dos abacateiros,
a tarde cai diferente
acima do estranho jogo de garrafas
entre os meninos
da rua João Gustavo da Silva.

Um labirinto malígno
pela cidade urinada.

Nelson Magalhães Filho

sexta-feira, julho 07, 2006
























Da série Luares Sinistros - 2004
Mista s/ papel craft, 100X80 cm
Varei nas frutas e constelações,
esperas.
Alfred Jarry de bicicleta
me enteolhou na esquina.
Turbou a manhã, mirada
a tarde
canteiros insensatos,
frêmitos.
Alfred Jarry de olheiras
indizível a vagueza
da madrugada esparsa.

Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, julho 06, 2006



Da série Luares Sinistros - 2004

Mista s/ papel craft, 100X80 cm

quarta-feira, julho 05, 2006

AVÔ

Numa noite, assoviada poeira de estrelas
meu coração vazio insistia na rua.
Vovô naquela vez não escrevia poemas
mas vadiava todo prateado pelos becos
e arrancava luzes com as unhas inquietas
das verdes paredes descascadas pela lua
(a noite inteira chamando chamando).
Às vezes nos entreolhávamos numa esquina,
eu era príncipe-felino
ele tinha asas
que rasgavam o paletó mais negro
que a flor da morte.
Sacudia os ombros meio esquisito,
ainda não dorme, dizia-me
deixe-me levá-lo para casa
ainda é uma criança
é cedo para o delírio sutil.
Seus cabelos lambidos como os de Gullar
um sapato vermelho
vovô meio dada
pendurava um brinco discreto na orelha esquerda
e na outra um vagalume
costurado com uma linha mais fina
que o silêncio.
O caminho era prisioneiro dos meus dedos magros
(frestas cheias de calos e suor).
Uma agonia
um hálito embebido de coisas noturnas,
velórios
príncipe dos gatos bebendo nos bares.
Vovô sem barba, olhos pretamente abertos
nariz comprido.
Nossos corações vazios rolavam ladeiras
bebiam seixos no rio
(ontem não vi Bartira e o sapo ao luar).
Naquele tempo ao céu piscava devagarinho
nos velhos sobrados,
e capturávamos borboletas negras outras azuis
pelos postes altas horas
recitando Allen Ginsberg, Rita Lee
sem fadiga, sem dormir dias e dias,
não fazia tanto frio.
(Eu tinha mandado uma carta para Silvana).
Subíamos nos telhados
roubando o sonho que esqueciam pela manhã.
Quando chegasse em casa
ia ter legião estrangeira ou a hora da estrela,
cartilhas de comunismo...
Naquele tempo eu signo de cachorro
outra vez adormecer todo queimado.
Ontem amei Celuta, ai flor!
Cel tem cheiro de terra molhada
e assim caminha levada...
Baratas chovidas pelo chão, I. disse:
você tá sonso, meio crisântemo.
Chove pouquinho. Dragão, Bach,
tenho desenhado bastante.
Som de Caetano, muito (dentro do peito
azulado de araçás). Canto sem parar.
Carinho de vampiro em I. Se eu te queimo...
Outro sonho: tava eu e...
uma pontada de noite ameaçou minha cara,
uma noite de van Gogh
carruagem espelhada cheia de folhas de mármore
como cisco avermelhado no olho
começava a chorar...
Vovô, e vovô sumia, e eu ficava triste
aguentando as rajadas cruas das lamparinas
amarelas, também dançarinas amarelas
batiam palmas de casa em casa
passeavam com argolas nos dentes, ossos doendo.
Com uma tesoura amolada no realejo
recortei um pouco daquela água
e banhei a tarântula
feito farinha num peixe teórico.
Vovô sozinho atravessava muros e jardins
muito leve flutuava perdido pela cidade
gritava meu nome, acorde, toque
curto-circuito nas redes tortas e eu chorava
chorava. Seus olhos ainda trincavam-se.

Nelson Magalhães Filho

terça-feira, julho 04, 2006



Da série Conspirações - 2004

Mista s/ papelão, 100X80 cm

JORNAL DAS PAIXÕES

Qual a arte que vai decifrar o doce movimento
do meu olhar escorregando sobre teu peito
estrelário de paixões?
Cicatrizes cibernéticas
ou prontuário de yoga antigo
é possível entender tudo?
Maneirismos: você é meu inimigo e me ama
viciosamente
sem contradições ou movimentos
ou catástrofes.
É assim que Cruz das Almas doce
que um Gustave Moreau simbolizaria num Orfeu
misterioso
se transforma em um catálogo fantástico
por uma Rua das Flores entardecendo nos beijos
perfumosos das meninas do Pulo do Bode
nas invenções de cada beco
com seus frascos e fogos
longe de Itaparica e perto do mal.
Quem me dirá que as visões de William Blake
e José Salomão são gradações de hemorragias
incuráveis
em nossa mais antiga letargia?
Como viveremos daqui por diante?
Como os olhos de Hébe, onde é
Arcádia/antimatéria
onde as vistas de Hiroshigo nesta parede branca
basta olharmos para que as transmutações
do destino sincronizem com o não-destino,
a vida passa como um temporal fugaz
e nós inteiros, doídos de ver na quiromancia
que o tempo saqueou de nossas almas,
os leões e as andorinhas presas em lembranças.
Transilvânia, Recôncavo, onde são?
Ah, fruta-olor leio no Bagavad Gitâ o nascimento
e a morte: não é verdade que tenha havido
um tempo em que Eu não existia, nem esses
príncipes.
Hébe sente a lua prematura encravada
em sua nuca e a cidade não escutaria
a centelha de seus sussurros
nem a brisa refletida nas lâmpadas de mercúrio.
Farejamos isso, tricotamos nossas razões.
Traçar estas harmonias num espelho inítido
é coisa tão imprópria como tanger
os pássaros
além das campânulas de Asgard
além de todas as dores
as do dia e as da noite. O futuro é nossa festa?
Nas carnes meu amor ainda seria um cachorro
sem dono madrugadamente repelindo a tristeza
nas poças.

Nelson Magalhães Filho
Minha querida Patrizia,

prescindiremos de apresentações? A fronha
de meu travesseiro está rasgada e contém
sinais da saliva que escorria de minha boca.
Decerto, uma euforia absurda, à toa, por um triz
uma não-região de sonhos onde
a metamorfose transfigura o incêndio da agonia.
Não posso deixar mais sangrar de mim
porque dói. Nada de ficar reinventando
os panos, tanger os pássaros
do meu rosto, onde
não existe salvação, talvez nunca tenha existido.
De repente isto não é uma loucura.
As pedras absurdas, os paraísos
absurdos. Patrizia iriar-se
toda e a cabeleira nessa tarde engolida (ouço
de longe Beto Guedes com paisagem da janela!)
Eu vou ser eterno vestido de nada. Um beijo
irado, como ícone. Introspecção até o limite
contido no final de tudo. Posso tolerar
o pouso cínico dos pombos, a argila florescente
que modelamos nossas angústias.
Volto a medir o tempo desta música sinistra
comportada em mim
através do conteúdo
intranquilo do não-desejo, consumido.
O meu sonho não dura mais que nada.
Esgotou-se em mim toda a imensidão, todas as
ciladas do sumiço. Fatal estar vivo é. As coisas
rapidamente fazem-me despir abismos
para fora de minha própria ausência. Agora
é a hora do cristal.
Desculpe minha insígnia felina, indecente.
Não pouparei um relâmpago qualquer. Nossas
mentes desagregam-se em velocidades
satânicas. Você Patrizia, acredita
em céu-inferno? Tragos varando lado-a-lado
teu escuro hálito.
Tenho roubado demais o que há de mais
escondido atrás das janelas de tua alma-nua.
Sim, o espelho é uma anestesia de silêncios,
flores amarelas. Provarei teus demônios,
démarches necessárias para se esvaziar
depressa a desconfiança que as horas
nos jogam.
Puzzle, um punhado de obstinada
adivinhação. Contradições insólitas.
Estou desacostumado a não cozer as fomes.
Desatino, inquestionável apagar a superfície
de nossas ações? Uma desatada abertura
de veia no escuro,
o vício de pesadelos cada vez
semoventes, os subterrâneos ocultos.
Arranco estrelas, afogo-me nelas, deixo-me
à tona, arrasado, assemelho-me ao caos,
e saio violentamente desta
transparência macia,
náusea de gato...
É tão profundo amar você Patrizia, a grama
v. Sempre gostamos de viajar como um vidro:
íntima fundura sem causalidade alguma. Meu
espírito é uma nuvem, persigo ardosamente
o céu engravida-me, sou tão feliz.
É maravilhoso aquecer-me em teu
sorriso Patrizia
(orquídea grávida sem destino).
Ontem mesmo li nas pulsações de Clarice que
viver é uma espécie de loucura que a morte
faz.
Beijos,
teu Sinho.

Nelson Magalhães Filho



























Da série Conspirações - 2004
Mista s/ papelão, 100X80 cm
Chegam as tempestades!
Badalos-latidos
dentro da madrugada saturada.
Estrangulei borboletas após espreita
feito gato cujo olhos movem negras
transparências
e minha sombra
entre salamandra-gonzos.
Chegam as tempestades! Dilaceração da alma.
O relógio submerso na memória
verte a carne,
as horas vergadas, o leite
do ventre ao chão.
Veludo negro entre
as coxas
e um jorro inundando meu caralho.
Você assim:
quadris quentes
répteis sedosos de sangue
até o gemido.
Uma lenda de sereias que fodem,
e não dormem.

Nelson Magalhães Filho

sábado, julho 01, 2006
























Da série Conspirações - 2004
Mista s/ papelão, 100X80 cm