Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

sexta-feira, agosto 21, 2009


Últimos dias da temporada de
JEREMIAS, PROFETA DA CHUVA
Jeremias, Profeta da Chuva, XIV montagem do Núcleo do Teatro Castro Alves (TCA.Núcleo).
Com texto e direção de Adelice Souza, o espetáculo leva ao palco um sertão real, imaginário e mítico mostrando a via-crucis de Jeremias, um homem simples temporariamente afastado do seu dom e do seu Deus. Um profeta que, ao sofrer pela seca, interpreta os sinais da natureza para predizer se haverá bom ou mau inverno em Salvador dos Brejos, lugarejo de onde quase todos estão indo embora atrás de melhoria de vida.
Jeremias, profeta da chuva traz um sertão tântrico, porque tantra é teia, tecido, trama. Este conceito dos fios que nos ligam ao sagrado está presente em todos os elementos do espetáculo desde a interpretação até a cenografia. A profecia de Jeremias está sendo tecida na vida de todos os moradores de um sertão que é feito de seca, mas também de rituais e festas. Uma festa sagrada com o corpo. Tal qual o tantra, com a voz e a consciência. Jeremias é voz que clama sozinha no deserto do sertão. Por isso todos saúdam ao sol, por isso cantam ao sol, para pedir que ele chegue com brilho e equilíbrio. E que faça também vir a chuva para Jeremias. E para os outros, que a chuva traga os seus desejos mais profundos.
No elenco: Amarílio Sales, Aske Mesquita, Bira Freitas, Claudia di Moura, Fernando Santana, Marcos Machado, Maria de Souza, Mônica Gedione, Ricardo Fagundes e Simone Brault.
E ainda: André Tavares (estreando como Jeremias) e Fernanda Paquelet (estreando como Jerusah e Josefina)
Direção Musical: Jelber Oliveira
De sexta a domingo, às 20 horas
ATÉ 30 DE AGOSTO.
Sala do Coro do Teatro Castro Alves

quinta-feira, agosto 06, 2009

Nelson Magalhães Filho. ANJOS BALDIOS 2009. Acrílica s/tela, 80X70 cm

Neste tempo da frieza comeremos arenques defumados
enquanto viajamos nas emporcalhadas vagas boreais
profanando as lembranças azedas dos santos
que nos benziam ao fim de cada noite com sua flor
arroxeada chispando no céu.

Nelson Magalhães Filho
Johnny Cash - Hurt

terça-feira, agosto 04, 2009

instalações

Daniel Almeida


Nelson Magalhães Filho



Ieda Oliveira


Zé de Rocha (detalhe da instalação)


Instalações

Daniel Almeida, Ieda Oliveira, Nelson Magalhães Filho e Zé de Rocha
Salão de Exposições Nelson Magalhães Filho

Casa da Cultura Galeno d’Avelírio
Cruz das Almas – BA
31/07 a 30/08/2009


Há muito que o conceito de “Arte” não se resume aos meios consagrados, como a pintura e a escultura. A partir do modernismo, iniciou-se uma constante busca por novos suportes. Hoje, a “Arte” não se restringe apenas à experiência visual.
Sem querer cair no didatismo e com um título que torna explícito o nome de sua própria matéria apresenta-se, na Sala de Exposições da Fundação Cultural Galeno d’Avelírio, a mostra INSTALAÇÕES. Reunindo quatro artistas (Daniel Almeida, Ieda Oliveira, Nelson Magalhães Filho e Zé de Rocha) oriundos de diversas vertentes, a mostra compõe um pequeno quadro dessa linguagem e de sua versatilidade como veículo para os mais diversos tipos de discursos.
Uma instalação não é apenas escultura ou arquitetura. Utiliza o entorno, a disposição, as sensações, o pensamento. Pode englobar a pintura, o ready-made, o espaço. Cria um percurso, mesmo quando é executada sobre um suporte bidimensional, no que se costuma chamar de “instalação de parede”.
Numa época de indefinições, em que não há mais certezas a respeito do que é ou não “Arte”, os artistas aqui reunidos levam ao público cruzalmense um momento propício a reavaliações e críticas, passando ao largo do idealismo conservador e da banalização midiática e propondo um mergulho sem preconceitos nas experiências que uma instalação pode suscitar.
Zé de Rocha, artista visual e curador da mostra


Sobre os artistas:

Daniel Almeida nasceu no Rio de Janeiro – RJ – 1980. Vive e trabalha em Salvador. Cursa Bacharelado em Artes Plásticas na Escola de Belas Artes – UFBA. É mediador no Museu de Arte Moderna da Bahia. Participou de várias edições da Bienal do Recôncavo e dos Salões Regionais de Artes Visuais promovidos pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, onde ganhou dois prêmios, como também em outros salões pelo Brasil. Seu interesse perpassa pelo cotidiano urbano e por ações ligadas à natureza para criar instalações, desenhos e pinturas.

Ieda OIiveira nasceu em Santo Antônio de Jesus – BA – 1969. Vive e trabalha em Salvador. É bacharel em Artes Plásticas pela Escola de Belas Artes – UFBA e Mestre em Artes Visuais pela mesma Universidade. Desde 1994 vem participando de mostras nacionais e internacionais, dentre elas a 26ª Bienal Internacional de São Paulo e a III Bienal do Mercosul. Já fez residências artísticas no Taipei Artist Village em Taipei – TW, Kunstlerhaus de Hamburgo – GE. Fez individuais em Berlim, Munchen, Siegburg e outras, como também já ganhou vários prêmios. Suas ações se desdobram entre instalações, performances, objetos, desenhos, pinturas e outras linguagens , sendo que sua poética esta vinculada ao cotidiano popular nordestino, conectando a linguagem local ao global.

Nelson Magalhães Filho é cruzalmense, nascido em 1958. Artista visual formado pela Escola de Belas Artes da UFBA. Premiado nas Bienais do Recôncavo, nos Salões Regionais de Artes Visuais da Fundação Cultural da Bahia, além do Prêmio BRASKEM de Cultura e Arte. Tem participado de diversas mostras individuais e coletivas em vários estados do Brasil, assim como em outras cidades do mundo, como em Segóvia, Barcelona, Málaga, Valladolid (Espanha) e Nova York (EUA). Atualmente é professor de Pintura na EBA/UFBA e desenvolve pesquisa em cinema e vídeos experimentais.

Zé de Rocha, 1979, criado em Cruz das Almas, é bacharelado em Artes Plásticas pela UFBA. Utiliza técnicas tradicionais, como o desenho, a pintura e a gravura para produzir imagens de forte impacto, permeadas de crítica social e pela constante iminência da morte. Recentemente, estudou durante três meses em Milão – Itália, decorrente do grande prêmio concedido pela IX Bienal do Recôncavo. Participou e foi premiado em diversas mostras pela Bahia, muitas delas produzidas pela Fundação Cultural desse estado.



O público foi conferir as INSTALAÇÕES


Zé de Rocha e NMF


Libório & Banda Combustão Espontânea





Não conto nada, que já estou de saco cheio, dizem que para morrer basta estar vivo, estamos vivos e não morremos, eta, inocência! ou será burrice mesmo?, agora, ao menos, não há dissipação, e não se dissipar tem seus méritos, arriscaríamos até analogia: cinzas de cigarro, sim, por que não?, além do cheiro morno - tão morno que quando sinto me assombra o quanto ainda pode ser vivo o cheiro de alguém em algum canto deste edifício fumando cigarro -, o cigarro deixa cinzas que raramente podem ser dissipadas, ficam dias pela casa, nos objetos, na ponta dos dedos, na língua, e pensar que tantas vezes trepamos com cigarro nos dedos, na língua, foi você quem disse certa feita e nem me lembro se de tarde ou madrugada, sempre que a noite chega é este medo de contar o que não se conta mais, simplesmente porque passou o tempo disso: contar, pensar que você disse tão bendito e até gracioso, sempre que a noite chega é este medo de contar o que não se conta mais, pois é, sabíamos, há anos sabíamos, por que então a teima em tentar de novo?, não conto nada, meu saco: cheio, é que para morrer basta realmente estar vivo, estou vivo, por que não... ahã?

Állex Leilla

Postado no seu blog:
http://allexleilla.blogspot.com/
beco de jack





(para ouvir ao som de nick cave)

fim de tarde início de noite, os ratos saem dos seus buracos e passeiam solenemente pelas calçadas úmidas.o beco transpira cheiro de tempos de outrora, as paredes espiam de soslaio um crime prestes a acontecer, a porta lacrada finge não ouvir o grito abafado.os passos dos caminhantes lançam um eco incógnito. aproximam-se?afastam-se? talvez ela não saiba e adentra a garganta sinistra do beco.... e nunca mais saiu.
Graça Sena

VEJA MAIS:
Edward Hopper
céu

Quando a noite
encontra seu norte
e o silêncio veste a cidade nua
não sou corpo
não sou alma
sou a casa da lua
solidão iluminada
tomada de eternidade
e da lembrança tua.

Denise Magalhães

VEJA MAIS:
http://www.vertigensclandestinas.blogspot.com/


BARROTERAPIA
Vamos nessa, meu irmão,
Entre e se transfigure
Aqui no Bar do Barrão.
Mas deixe na porta o status
Vaidades e preconceitos
Valores pequeno- burgueses
Pois cá nada conta não.
Mas se você estiver grilado
Pode entrar com seus problemas
Sejam eles de moral,
Dor de cotovelo, dinheiro,
Escrotice no trabalho
Ou angústia existencial
Garanto que em três minutos
Tudo se volatiliza
E você sai outro homem
Dessa terapia grupal.
Pode até entrar com o Marx
Marcuse, Gramsci ou Althusser
Que na evolução do papo
Seu intelecto polemiza
Se bom mesmo é Zico ou Pelé.
A dívida externa do País,
Os pacotes do Delfim,
Não esquenta com isso não
Pior está o Bahia
Esquece que o Maracajá
Ainda não arrumou a grana
Da nova contratação?
Mesmo em caso de doença
Tome a sua brahma tranqüilo
Pois Edinho e João da Farmácia
Não deixam de dar plantão.
Se você for cristão novo
Não espere muita atenção.
Mas não estranhe se o freguês
Transpuser, pra se servir,
A barreira do balcão
Pois Nelson está lá por dentro
E ninguém sabe do Barrão.
Talvez esteja de pileque
De camisa, peito aberto,
Chorando firme no prego,
Ouvindo o LP do Roberto.
Se o problema for dinheiro,
Tudo vai ficar joinha
Jaime Bahia está chegando
Faça logo a sua fezinha.
Os grupos se animaram,
Estão saindo as novidades,
Quem está dando, quem não presta,
Os cornélios da cidade,
Quem foi tirada de casa,
Quem está passando o calote,
Enfim tudo descortina
Até que o futebol retoma
A discussão de rotina.
Agora é a vez das piadas
A confusão é geral
Chega o Santo Bicudo
Toma sua oitava lapada
Com a cara mais natural.
Não preciso dizer mais nada
Está feita a terapia
Se você quiser viver
O sincretismo cultural
E fugir do dia a dia
Curtivida, curtisom e curtição,
Vamos logo, meu irmão,
Entre e se transfigure
Aqui no Bar do Barrão.


Cyro Mascarenhas Rodrigues
Fevereiro de 1980

VEJA MAIS AQUI:

http://recantodasletras.uol.com.br/indrisos/1534499