Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Nelson Magalhães Filho. Mista s/papel, 70X50 cm.

por onde anda você, vestida de púrpura
até a flor dos cabelos? uma violência escrota
escondida nos lagartos vomitados
de meu estômago agonizante,
todos estranhos aos meus olhos que obstinam-se
em jorrar salamandras ardentes sobre
teu corpo arriscado,
nada além de calangos de fogo escorrem
uma jornada dentro da noite chuvosa
e trespassam esta vertigem
que abrasa minha fome de desaguar
na imensidade do teu nada.

Nelson Magalhães Filho

4 comentários:

Anônimo disse...

até que emfim eu tenho exito em comentar.
que poema forte, desagua agruras de um tempo perdido em ilusões sociais, em ilusões raciais, im poema tradutor da realidade humana tão cheio de nadas e com nadas imensos a rondar estomagos e vertigens.
um poema cru. um poema desagradavel no sentido que antes ele é crueldade com a propria existencia, mas por outro lado um poema extremamente bonito e como um raio penetra nas noites croacas de nossas mentes.

Samantha Abreu disse...

Lindo, Nelson!
"abrasa minha fome de desaguar
na imensidade do teu nada."

Noite após noite, é assim.
Beijooo!

Anônimo disse...

pensei que esse quadro tinha se desintegrado...
ps.: se deus existisse bob dylan dava uma canja no clube laranjeiras e tomava a saidera em turíbio!
Pablo Sales

Ruela disse...

BELO!