Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quarta-feira, abril 13, 2011

Anjos Baldios. Mista s/tela, 100x80 cm, 2009. Pintura de Nelson Magalhães Filho

miro  fugazmente um vôo rasante de abutre
e  jorrando prá cima da avenida 7 um mar de crisântemo ou
uma vaca metálica pós-noite abortada e bem longínqua: antemanhã
alagada de vodka com válium, súbito
olhos vermelhos apenas no lugar do oceano-rubro,
ceifar a alma insone
vertigem esse meu amor ravina se esvai.

Nelson Magalhães Filho


5 comentários:

Douglas Vieira disse...

Imagem e escrito fascinantes, grande Nelson.

Luciano Fraga disse...

Buenas, como diria Whitman: "saúrios monstruosos o transportaram em suas bocas e o depositaram com cuidado" poema com rasgos de enxurrada, a imagem: um arroio.Abraço.

Braga e Poesia disse...

poema bonito e cheio de vitalidade e ao mesmo temo um poema com acidez esem cinismo um poema que se afirma

Zinaldo Velame disse...

Poema forte e imagem que nos remete à viagens profundas, abraço!

Lupeu Lacerda disse...

nelson sempre fuerte. nem sei mais se é a imagem ou a palavra. multi. foda!