Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, agosto 24, 2006

Vou andar de bicicleta pela tarde
embriagado pelo natal com uma grinalda
de folhas penduradas numa orelha.
A estridência da música
de Nick Cave me consome
em saudades devastadoras.
Suscitar sonhos de nuvens luminosas-fragores,
pássaro-noturno transcender
drásticas marés
de águas indomáveis,
fumar margaridas-incógnitas
que se retraem acaso sobrevenha a audácia
de atirar casca de dor na chuva.
Febril,
vislumbrar um canto escuro para se ninar
um pássaro precioso-deslumbramento
do torpor que deixa um rastro impenetrável em teus olhos,
mistérios compassivos prendam
pelas caminhadas
desastradas onde os bichos desaguam-crus-lamúrias
desfrutam sua esperança de nadar
entre facas e espelhos.

Nelson Magalhães Filho

Um comentário:

Anônimo disse...

... mistérios compassivos/facas, espelhos! Gosto muito.
Que colher de chá heim!! Acorda, amor!
muito grata, achei lindo.
Beijo
Lita