Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, dezembro 14, 2006

CINTILÂNCIAS ESCURAS

Uma poesia desnudando cintilâncias opacas,
nas falsas noites fervilhantes de brilhos escuros,
estupidamente rejeitando a paixão sem vergonha dos jardins do poeta.
Uma poesia despetalando zoófitos nas similitudes,
rasgando noites de recôncavo e
reencontrando as noites bêbadas nos absintos impositores e decididos.
Uma poesia-palavra sem semelhanças,
destronando e coroando significados e significantes nos vazios ocos,
morada e desprezo dos loucos primeiros.
Um poema sujo, desgrenhado,
despencando alturas em uma altivez capenga.
Uma poesia surda-assassina,
um sentimento-perigo,
traindo todos os fustes solitários e inútil,
Inútil traço latitudinário das emoções.
Sinais sem abrigo.
Uma poesia: perdição dos deuses envergonhados e das mulheres, embustecidas e coloridas nas vargens esquecidas das falsas noites cintilantes. Que grite.
Que faça.
São palavras indizíveis penetrando a carne insensata.
Um amor inadvertido e traidor.

Ronaldo Braga

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