Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, março 20, 2008

Nelson Magalhães Filho. Mista s/papel, 70X50 cm


quando todos os bichos alumbram trançados
em teus cabelos
desvendarei plantas eternas para beber.
alumiarás pelos vegetais do silêncio
e tocarei nas pedras
para sonhar dentro de teus olhos:
neste instante eu me afogaria
nas léguas celestes.

Nelson Magalhães Filho

5 comentários:

sandro so disse...

Impressão de texto e tela diferentes dos habituais, mais solares, diurnos talvez.
Abraço, NMF.

Anônimo disse...

um poema que desvenda e esconde. porque?
porque é belo.

Luciano Fraga disse...

Bichos trançados nos cipós dos cabelos,chás,pedras,léguas celestiais e tiranas.Poesia,natureza e o insondável.Maravilha.

Anônimo disse...

o comentário de luciano:perfeito.
a poesia: uma senha.

Zinaldo Velame disse...

Bela tela e belas palavras, NMF. Você tem um quê especial com o pincel e com a ponta do lápis. Abraço!