Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Nelson Magalhães Filho. Série 2004-2006, mista s/ papel, 70X50 cm


Nômades do deserto em
viagens espantosas através das florestas
cheias de caranguejos rutilantes,
flores-putas eclodem a concha do tempo áspero
em que os peixes e os insetos, exaurindo
larvas, me beijavam até sugar-me
o fogo de pedra.
Assim visito flores-amantes nas tuas
feições frágeis,
begônias gozosas
em você minha demente paixão.
Lua minguante,
negra minha última pele imerecida
de pêssego mansa,
minha alegria cindida
musa os espelhos quebrados do desejo.

Nelson Magalhães Filho

3 comentários:

Gustavo disse...

Esse poema me trás muitas sensações! Gostei muito do seu site.Gostei também de suas pinturas, maravilhosas.
Venho aqui divulgar o site literário que criei a pouco tempo. Me faça uma visita, deixe seu comentário.
www.poetariaprincipal.blogspot.com

Anônimo disse...

antropofa(tra)gico em cores e traços,ontologia nos caminhos traçado pelo pincel,história e estória,sociologia arrebentando canônes e fragmentando certezas,a pintura reflexo reconvertido e ressurgencias tiranas de um "modus operandis" inumanizado em doces beijos de falas mansas e canalhas.

Anônimo disse...

Oi Buenas, adorei "beija-me até sugar o fogo das pedras" lindo!!
bjs
Lita Pássaro