Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

sábado, abril 14, 2007

"Tu, sábio e grande rei do abismo mais profundo,
Médico familiar dos males deste mundo..."


O PACIFICADOR

Ó conciliador da suspensa sensibilidade
nas profundas várzeas das sinistras flores
exaltadas por paixões e impossíveis luzes,
delírios, ornamentos
com iluminuras e vertigens...
Ó filho das imensas águas que nunca dormem
nem fazem sombras com as negras candeias,
o estranho canto dos passarinhos
no almíscar atordoados
floresce buquês no vaziar da vênera noite
entre cerejeiras, veneno e jasmins
tão vastos como o mal.
Ó conciliador da suspensa sensibilidade
tu és o cisne se dormindo com flores nos cabelos
que dança a mente no veio da felicidade,
na vênus entre o mormaço do mar
ressaltando das ondas o cavado amor
neste verdejado ventanejar que calmo perpassa
onde o arvoredo reluziu.

Nelson Magalhães Filho, em As Luminárias, 1982

7 comentários:

Fabrício Brandão disse...

Olá, Nelson!

Feliz estou por encontar mais afins nesse vasto universo virtual. Palavras precisas, afiadamente dispostas a percorrer signos de alma. Andarei por aqui agora!
Obrigado pela sua visita ao Baratos Afins! Lita Passos é realmente uma querida!

Forte abraço e vamos trocar idéias!!

Anônimo disse...

Chico Vermelho,após sacar a arma para o rival disse:"eu teria o maior prazer em só escrever para os mortos..."

Anônimo disse...

Neuzamaria Kerner disse...
Anjo Baldio - Terreno Baldio, mas não abandonado! Espaço fértil onde nascem flores de esperança a nos sinalizar que o mundo ainda tem jeito por causa da arte salvadora.
Parabéns pelo seu trabalho!
Obrigada por visitar o nosso site www.baratos-afins.blogspot.com

Sempre bem-vindo!

15 Abril, 2007 11:46

sandro so disse...

Sempre achei o olhar do Baudelaire nessa foto entre aterrorizante e sofrido. Belo poema, bela homenagem. Meu email é ssornellas@gmail.com

Abraço

Zinaldo Velame disse...

Nelson, que belaza este poema! Lembro-me até da música que Beto Rebelde fez sobre ele. Abraço!

Anônimo disse...

que viagem boa pelo versos do meu poeta feliz-infeliz.
eu te amo caro poeta

Anônimo disse...

entre a cereja e o veneno eu fico com as duas na noite que os demonios fugiram pro céu.
esse poema eu já conhecia, muito bonito e com uma crua poetica
acre-doce, veneno nos lábios do amor e beijos entranhando carne, nunca mais virgem.