Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

sexta-feira, junho 01, 2007

EU TENTEI TE MATAR QUEDA: Eu tentei te matar.
ABISMO: Tentou?
QUEDA: Tentei.
ABISMO: Ontem?
QUEDA: Não.
ABISMO: Anteontem?
QUEDA: Não.
ABISMO: Antes de antes de ontem?
QUEDA: Não.
ABISMO: Antes de antes de antes de ontem?
QUEDA: Não.
ABISMO: Antes de antes de antes de antes de ontem?
QUEDA: Não.
ABISMO: Antes de antes de antes de antes de antes de ontem?
QUEDA: Não.
ABISMO: Antes de antes de antes de antes de antes de antes de ontem?
QUEDA: Não.
ABISMO: Antes de antes de antes de antes de antes de antes de antes de ontem?
QUEDA: Não.ABISMO: Antes de antes de antes de antes de antes de antes de antes de antes de ontem?
QUEDA: Não.
ABISMO: Antes de antes de antes...
QUEDA: Chega!!! Estou cansada disso! Você não tem outra forma de perguntar?
ABISMO: Gostei do estilo.QUEDA: Eu detestei!ABISMO: Sério? Achei tão poético.
QUEDA: Posso continuar?
ABISMO: Claro. Mas o que você estava dizendo mesmo?
QUEDA: Que eu tentei te matar!!!

*trecho da peça Diálogo Inútil do Abismo com a Queda, em cartaz às quintas e sextas, às 21h, no Porão do Centro Cultural São Paulo, como parte da III Mostra Cia de Orquestração Cênica. Rua Vergueiro 1000.
Postado do blog de Cesar Ribeiro

Nenhum comentário: