Nelson Magalhães Filho. Página do DIÁRIO DO ARTISTA, 2004, mista s/papel, 15X21 cm
ESTAS MALDITAS SIMBIOSES
para Gláucia Guerra, ao som de Chavella Vargas
Quisera eu poemas alinhavados com as pedras destes caminhos alucinantes, onde meus pés sangram cheios de plânctons. Para que serve a poesia? De muito longe, muito além dos sargaços, Gláucia flutua nas maresias floridas de outrora, degustando textos raivosos de peles e luas, palavras para acordar perfumes secretos de acácias, talvez almíscar, ou mesmo suores de lírios. A arte é pura? Devagarmente Gláucia murmura cinzas dos relógios e de asas. Então, ouviremos tangos por esta mesma madrugada de vinho, um pulsar de carne que expele o verbo antes do amanhecer e entoaremos litanias malditas entre centelhas difusas, que toda arte exige paixão. Para se aproximar da vida, a poesia não pode ser pureza, porque é uma forma de rezar. Porque quando vem a noite, os deuses defloram as brumas ao som de um Debussy absorto em vago torpor. É quando sinto o hálito estranho dos pássaros que não dormem nunca. É assim que fios de sangue caem de outras dores e é assim que entonteio-me com a aurora boreal ardendo como um gozo rústico de amora. Os campos já estão minados. E para que a poesia? Para os peixes, para curar, para rasgar tâmaras acesas dentro de mim. Porque a vida é monstro.
Nelson Magalhães Filho
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Literário...
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Há 3 dias
2 comentários:
Um texto para degustar, com um bom vinho e uma boa musica e também para pensar:
para pensar a arte;
para pensar a poesia;
para pensar a estetica;
e para saber que a poesia não é somente um escrever versos bonitos antes a poesia é desbravar novos mundos, e é uma reza sendo uma reza mais que reza, é na verdade uma conversa com os deuses.
Nelson,a vida é mesmo monstro que deve ser abatida,como Tezeu e o Minotauro,desbravada em lutas hercúleas,massageada com linhas e palavras como as do texto.Não há como não se render e entregar-se de corpo e alma...
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