Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

sexta-feira, novembro 03, 2006

Nelson Magalhães Filho. Da série NOITES FELINAS, 1999, mista s/ tela, 135X105 cm.


NOITES DE RECÔNCAVO

Recuso-me degustar
malícias atarracadas
derramadas sobre os pratos
intumescidas, emboloradas
como ração para os ratos
que parasitam estercos
no sacerdócio doentio
dos sugadores anônimos.
As portas de entrada das fachadas
estão lacradas
ruindo
com as falácias entupidas
dos meus ventrículos.
Ao bel prazer
prossigo cauteloso
como o cansaço de um monge
abismado
que suporta sem alarde
o desabrochar dos disfarces
forjados
nos tempos de apuros
quando revelavam-se os desígnios
grosseiros da blasfêmia.
Dissimulo crimes
quando brincava com o fogo.
Algo acidental
vegeta meu coração.
Menosprezo meus infortúnios
caminho pelas bordas
esquivando-me das descargas
negativas
que anseiam fazer poleiros
nos troncos de minha alma...

Luciano Fraga

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom este poema. Denso e belo, Buenas.

Anônimo disse...

anônimo responde...
bom e belo o conteúdo deste blog...