Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.
Nelson Magalhães Filho
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)
Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho
Capa da História em Quadrinhos FÚCSIA. Desenhos do artista plástico Ederson Baptista. Texto de Nelson Magalhães Filho e Ronaldo Braga. Esta peça teatral foi livremente inspirada nos Cantos de Maldoror (Lautréamont), em Allen Ginsberg (Uivo), T.S.Eliot e nos textos do Samuel Beckett e Fernando Arrabal.FÚCSIA (Tragédia bestial em um ato):Como personagens saídos de um poema de T.S. Eliot, os homens ocos deslizam pela vida em busca de um único prazer possível para eles: a morte. A própria morte. Mas enquanto ela não chega, para si, deleitam-se com a morte alheia.
Acometidos de uma espécie de "paranóia esquizóide", representam-se como justiceiros e filantropos a presentear mortos àqueles que julgam ávidos pela dor redentora de chorar seus defuntos.
Os assassinos, portadores de uma ingenuidade cruel como a encontrada nas personagens de Arrabal, dizem amar suas vítimas e sentem-se por elas incompreendidos, pois elas (e os outros) não percebem a dimensão do seu ato altruísta.
Como anjos do apocalipse, semeiam a morte como uma dádiva.
Ancorados nessa tragédia obscura, Nelson Magalhães Filho e Ronaldo Braga colocam em discussão valores éticos, direito e, paralelo a tudo isso, o vazio existencial.
Fúcsia, é como ler a Bíblia, ao som de um heavy metal satânico arrastado e sujo. Engana-se quem pensa tratar-se de uma flor.
Graça de Sena
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