Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, julho 03, 2008

VERSOS CAINDO SOBRE NÓS

O corpo está tomado de véus
que são cortes profundos na pele
e são taças de um desastre
no bosque de teus sonhos:
o corpo folheado com seus recortes de gozo
e estamparias laminadas que são rabiscos
na pedra esboçada em teu ventre
e pentelhos de fogo como árvores que se exibem
ante um derrame de vozes:
o corpo onde estavas quando a noite
entoava ventanias e um olho a descoberto
engolia toda a paisagem imaginada:
o corpo em ruínas que se estreitam
a recompor vertigens que são nomes inscritos
em aves rochosas que se chamam coxas
e um tropel de vultos ao passar de páginas de teu corpo:
por noites te chamo mascando nomes
como um dilema febril a confundir imagens
como credenciais a evocar rasgos
que anunciam a tormenta da restauração:
o corpo se refazendo a cada anúncio do fim.

poema e imagens: floriano martins
floriano.agulha@gmail.com


Um comentário:

fernanda magalhães disse...

Olá Nelson, que bom que você conheceu o Fábio. Ele é meu amigo do coração.
Abraços,
Fernanda