Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

terça-feira, março 27, 2007


DIÁLOGO é um dos quatro poemas de José Inácio Vieira de Melo – parte integrante do livro inédito A Infância do Centauro – que foram publicados no jornal Rascunho. Confira os demais: RASCUNHO - POEMAS DE JIVM
A Infância do Centauro conta com ilustrações do artista plástico Juraci Dórea e vai ser publicado pela Escrituras Editora, agora em 2007.
S E N T I D O

Os homens vinham e havia um caminho.
Continuavam, e o prumo os esperava,
e eles seguiam acreditando nisso:
sempre rumar – sempre sempre sempre.

Os homens nunca chegavam a algum lugar,
mas iam eternamente em busca de,
pois não queriam nem suportariam
entender a verdade do lugar nenhum.

José Inácio Vieira de Melo



SENTIDO faz parte da programação do recital BICHO-HOMEM, que vai ser apresentado no projeto Poesia na Boca da Noite pelos poetas Edmar Vieira e José Inácio Vieira de Melo, autor do poema citado. O evento será compartilhado com o poeta Héber Sales, que vai falar de sua poética e ler seus versos para a platéia, e com o cantor e compositor André Telles, que vai interpretar algumas de suas composições. O projeto vai acontecer no dia 10 de abril, às 20 horas, no restaurante Grande Sertão, no bairro de Costa Azul, em Salvador.


2 comentários:

Anônimo disse...

Ameeeeeeeeeeeeiiiiiii a foto do artista quando jovem sob a chuva, já antevia a maldade social, o grotesco, e derramava ar debochado, derramava seu inocente riso de fogo!! Beijos. Lita passos

Anônimo disse...

Nelson, anjo vadio/baldio, ter dois poemas meus no teu blog é um regozijo. Teus matizes carregados muito me impressionaram, transmitem uma atmosfera gótica, mas não ficam presos a esse traço, pois ousam e insistem em ser primordiais - e o azul e o amarelo e o vermelho sempre estão ali. Traço bastante pessoal e, por isso mesmo, alcança as pupilas cósmicas. Muchas gracias.
José Inácio Vieira de Melo