Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

sexta-feira, novembro 09, 2007

Foto: Nelson Magalhães Filho


no meu jardim de cássias à beira ervas que se devoram,
abeberava-se um lagarto tangido às ocultas
com as chuvas do inverno amargo,
enquanto minhas mãos imprecisas pela lua
ateavam fogo nos seixos às escondidas dos urubus.
no meu jardim à beira ervas melancólicas
acometia discórdias em sonhos insignificantes,
e a lua depõe seu sangue sombrio
sobre minha noite sem amor.

Nelson Magalhães Filho

3 comentários:

Anônimo disse...

quando eu leio este poema me vem a cabeça mais do que as palavras, por que a poesia de nelson magalhães filho trabalha em duas frentes:
uma é a significação das frases das orações, outra é o mundo que nasce das palavras e nesse mundo as apalvras já não são paLAVRAS, ANTES SÃO SENTIDOS, SÃO EMOÇÕES, são encantamentos.
e quando eu leio a poesia de nelson magalhães filho saio da leitura encantado e não me desencanto mais.

Ruela disse...

bela transformação.

L.Reis disse...

...no teu jardim, há um lugar à beira seiva, onde corre verde a vontade e o desejo...procura-o.