Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quarta-feira, novembro 14, 2007

LUCIANO PASSOS (04 de maio de 1944 - 14 de novembro de 1997)

Como dizia Fernando Pessoa, "morre jovem o que os deuses amam, é um preceito da sabedoria antiga. E por certo a imaginação, que figura novos mundos, e a arte, que em obras os finge, são os sinais notáveis desse amor divino. Não concedem os deuses esses dons para que sejamos felizes, senão para que sejamos seus pares..."
Agora pela noite, ouço a voz sombria de Nico em "The marble index-69" e "Drama of Exile-81", e penso no meu amigo Luciano Passos, que foi embora muito cedo levado pelo amor cruel dos anjos.


CAVALO ESTRELADO

A noite é um cavalo estrelado
Que pasta nos becos do mundo
E arrasta entre solene e vagabundo
O rabo anônimo do pecado.
A noite é um negro cavalo

Com olhos molhados de desejo
Exalando amor pelas narinas
Do gozo escravo e vassalo.
A noite relincha alto

Nos quartos das putas velhas
E deixa na testa do asfalto
O retrato do seu coice.
A noite trota cansada

Farejando a imutável madrugada
- égua no cio, fogosa e alazã -
e deixa-se agasalhar já semi-morta
pelas crinas amarelas da manhã.

Luciano Passos

Um comentário:

Anônimo disse...

" quando nasci,um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos!,ser guache na vida.[...]