Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.
Nelson Magalhães Filho
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)
Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho
Nelson Magalhães Filho. Série A MORTE DIANTE DA LUA, 1998, mista s/ tela, 100X100 cm CAVALOS DISCORREM PELA AFÁVEL NOITEcavalos discorrem pela afável noiteaté ficar insuportável beijá-los- com a língua beijar cavalos -o tempo não passa nuncao tempo chora sangue de anjo sangue de cavalo.ainda não sei o que tem dentro de mimque não passa nunca e chorasangue de cavalo sangue de anjo.eu cambaleava pela afável noite de ontemcom a sede insuportável do beijovadiando pelos becos escuros da gamboavadiando pelas ruas estreitasesculpidas de perturbados da gamboa.aí eu começei o canto esganiçadopara você me ver assim: umamuralha de dor,uma carne tecida de floresque vão ficando álgidas de aves marinhas.meu amor que não conheço apenas me pastaneste tempo perdido no mar negroabortando cavalos e cadelas e rezando pro anjo.vivo pastando no mar negro como peixe boiestrela do mar negro percorro temporais selvagense cada vez que me perco pela afável noite de ontemo oco de mim vai vomitandoum sentimento nostálgico de perdasespelhos de mortos com seus ossos de medo.Nelson Magalhães Filho
5 comentários:
Nossa! Isso sim é que me tirou o fôlego. Super forte.
Parabéns!
Excelente.
pô, nelson, lembrei do nietzsche se abraçando a um cavalo que via chicoteado na rua.
Foi justamente, dizem, quando Nietzsche enlouqueceu. Poema belíssimo, forte, vertiginoso.
Nelson, deixei um comentário para vc lá no blog "Bragas e Poesia".
Obrigada pelo que escreveu sobre o meu poema. Foi uma boa surpresa!!
Abraços
Fabrícia Miranda
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