Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

terça-feira, setembro 11, 2007

Nelson Magalhães Filho. Série 2004-2006, mista s/ papel, 70X50 cm

camaleão caído de peixes em chagas
vai embora com os ratos.
consulta oráculos, iniciação de pântano
pela tua saliva,
infiltra segredos de séculos na carne
até aves de rapina definhem
tuas asas pardacentas
cubram a mágoa e os sinais.
teu destino,
sangue e outras luas.
tua vida, dois acasos no tempo
vestígios de um ventre espesso.

Nelson Magalhães Filho

6 comentários:

Linda Graal disse...

obrigada, querido!!
mas, digo o mesmo!! belíssima composição de pintura e palavra! ;)

Anônimo disse...

nenhum parto é sem dor mesmo, né. forte abraço

Anônimo disse...

muito bom, du caralho, Nelson.

Ruela disse...

A relação poema-pintura está perfeita.
Um abraço.

Anônimo disse...

Já circula nas esquinas dessa cidade imunda a lenda de Cús das Almas. Em breve toda a verdade, a história contada como nunca fora antes!
Até, Pablo Sales
PS.: E vai ter baba sábado?

katherine funke disse...

gosto bastante dessa série de pinturas.