Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

sexta-feira, março 30, 2007

Nelson Magalhães Filho. Série MORTE PELO SONHO, 1991, mista s/ madeira, 125X117 cm.



" Minha quilha estoura! Me lanço ao mar!



Cachorro morto em noite chuvosa

sou de uma raça de cachorro ruim
desassossegado pelo sangue que
brota das noites-incompletudes escorrendo
em angústias esquivas
sou de uma raça de cachorro mau
nauseado pela lua opiada nas
madrugadas latejantes de desejos lascivos
bebendo peçonha tumultuando
os jardins com excrementos perversos.
então escancaro uma
réstia lanosa de lágrima
quando me queimo em tua lua segredada
quando substancialmente o animal
estúpido cura sua compaixão.

Nelson Magalhães Filho

7 comentários:

Anônimo disse...

primeiro a pintura seria otima pra o meu texto 1969 o ano que me apaixonei, é a leitura visual, a escrita visual, plastica do meu texto, segundo o poema é algo que me desconectou, me levou para mundos paraleloe e mundos passados, é além de bonito, bem construido e suas imagens é o proprio conteudo, a forma remetendo o conteudo que por sua vez remete a forma. um poema de mestre e não de um ser medio, nelson magalhães filho e eu já disse pra ele antes e vou escrever aqui:
é um artista plástico, um poeta, um artista acima e muito acima da média vc me encanta e me desencanta e me maravilha.é bom ter acesso as produções de nelson pois ele me inquieta e coloca areia movediça embaixo dos meus pés

João Filho disse...

Nelson, caro cara, tinha me esquecido e hoje eu coloquei seu link lá no meu blog-blefe. Um grande abraço e vida longa.

Anônimo disse...

Buenas,para curar paixões temos que virar cachorros doidos,enraivados,vira-latas,trepar na rua igualzinho a eles,depois vagar sozinho nas noites absurdas. Quando chegar em casa, morder seu "dono"...

Anônimo disse...

Eis os tempos fáusticos na lírica do lugar, da almas pulsantes marginalmente nelsinianas..."Eu me lembro" da "morte pelo sonho" Odeio essas figuras, que moram lá em casa...Lita Pássaro

Marconi Leal disse...

Digna do garoto da foto acima. Abraços.

Ronald Augusto disse...

olá, nelson! curti seu trabalho e o blog. visite o www.verbavisual.blogspot.com, blog da minha mulher. entre 1989 e 1992 vivemos em salvador. deixamos lá grandes amigos.
abraços!

Anônimo disse...

Nelson, onde habita o seu msitério? Glorioso e providencial mistério?

Wesley