Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

segunda-feira, agosto 27, 2007

A CARA DO FOGO

Em 1998, o Museu de Arte Contemporânea (de Feira de Santana - BA) publicou este pequeno livro de poemas. Foi o Volume 2 da Coleção Flor de Mandacaru, com coordenação editorial de Telma Siqueira Alves, arte e impressão de Edson Machado. Para quem não viu os arquivos antigos deste blog, estou postando de novo estes poemas.

ontem à noite, numa ânsia lunar,
comi algumas hortênsias, antes
de lançar-me em navios de vômitos.
a noite era desértica
e seus cabelos, longínquos.
na noite crisálida
os besouros não eram negros.

Nelson Magalhães Filho

6 comentários:

Georgio Rios disse...

Caro Nelson.gostaria que tu separasse três poemas para serem publicados no Entre Aspas.Abraços

Georgio Silva

Anônimo disse...

Valeu Georgio, vou mandar.

Ruela disse...

Excelente Nelson
Um abraço

Anônimo disse...

Valeu Ruela, grande abraço.

sandro so disse...

Pô, Velho, tu tem um livro publicado?!?!?! Vou ter que te mandar um email para conversarmos melhor! Nunca tenho muito saco pra percorrer postagens antigas de blogs. Taí, perco essas informações...

Anônimo disse...

Caro Sandro, já publiquei alguns livrinhos independentes, outros com parcerias, de uma forma mais artesanal mesmo: A Flor do Láudano (1996), As Luminárias (1982), A Cara do fogo (1998), Anjos Baldios (1988), Imagens do Porão (1989). Alguma coisa ainda em mimeógrafo, outras em computador, etc.