Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

terça-feira, agosto 14, 2007

Nelson Magalhães Filho. ANJOS SOBRE O RECÔNCAVO I, 1999, mista s/ tela, 110X85 cm

Deixarei você em suas alucinações
trago uma lanterna
violeta na mão esquerda;
você, uma roseira repleta de
alguma coisa que se inflama violenta.
Estou aqui furtivamente
nesta casa de néctar
preso
nas paredes nos móveis:
seu corpo mente para
o meu desde
que vi sem volta
a dor retrato das horas.
Um perfume feroz corrói
nas tripas.
Teríamos então um instante para
desfazer perturbações, mas
meu beijo vem da flor do láudano.
Não quero você
nas explosões de bolhas brumas-
meus olhos abertos
cicatrizam suas bobagens
sem
fim.

Nelson Magalhães Filho

7 comentários:

Lord of Erewhon disse...

Belíssimas telas!
Também apreciei a escrita, um certo neo-romantismo - absinto e láudano! ;)

Let it be dark!
Abraço.

Senhorita B. disse...

Obrigada, Nelson! E me visite sempre!
Abraços,
Renata

Anônimo disse...

Valeu Renata. Abraços.

Tempestade disse...

Sonoridade instigante: alucinações e flores malditas em comunhão. Passar por aqui e te ler já é um hábito meu.

Zinaldo Velame disse...

Lendo este poema, fico imaginando uma melodia blues, tal e qual B. B. King, sei lá... ... uma coisa forte, que remete à loucas vibrações.Abraço!

Vivz disse...

Obrigada por linkar minhas bobagens sem fim. :)

Um abra�o.

Anônimo disse...

D'pedra,bobagens o caralho.Pancada pura,no âmago da alma.Quem tem dores sabe...