Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.
Nelson Magalhães Filho
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)
Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho
Nelson Magalhães Filho. ANJOS SOBRE O RECÔNCAVO, 1999, mista s/ tela, 110X105 cm INVERNODebaixo da chuvaradaele avança para casadepois de cruzar a ponte (um céu verde escuro)2 ou 3 casas aindana esquina ouvindo um finíssimo violino e lembrar os anjos fatigados de Kerouac.Chegando, contempla-seestranhamentenum espelho com gramofonejunto a cama.Nelson Magalhães Filho, em A Flor do Láudano, e também foi publicado pelo Claudio Willer em 1985 na sua coluna Inéditos do Jornal Leia.
5 comentários:
Oi, Buenas,
... na esquina ouvindo um finíssimo violino e
lembrar os anjos fatigados de Kerouac... estranhamente gosto dos teus anjos, sinto saudades. Bjs Lita Pássaro
poema do co-tidiano e das nossa vidas
Valeu a visita Ediney. Grande abraço.
Lita: você ouvia esse violino há tempos.
Nelson, isso não é um poema, mas uma marcação muito fina para uma filmagem. Planos, cores, travelling, deslocamento do ator, a música de fundo e a cenografia!
Gostei de sua idéia Sandro, você pode escrever este roteiro.
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