Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quarta-feira, setembro 26, 2007

Nelson Magalhães Filho. Série LUARES SINISTROS, 2006, mista s/ papel craft, 120X105 cm


quando me saquei te parindo mula dragão
porca, hein, eu te amo como os partos
prematuros dos insetos multiplicando-se
compulsoriamente cada
vez mais e mais em suicídios
herméticos tocando-nos tanto de leve o rosto
e não sentindo tuas mãos lindas
eu dormente até às vísceras.
cor de revelação dos santos.
ou como beber vinhos coalhados-insensatez
te amo vestida girassol
e duas chaves de marinheiro
penduradas no pescoço delicado e dois enígmas
lidos nas cartas desta madrugada
dama dos visionários recortada de um livro
de fumaça escoada, esverdeando-se.
abarcas,
tu: cavas minha mente
em retalhos
e os segredos deixei-os nas gavetas vazias
querendo-se descobrir àquela fundura.

Nelson Magalhães Filho, de A Cara do Fogo

8 comentários:

Samantha Abreu disse...

esse poema é lindo.
É um estilo que gosto muito: me deixa sem fôlego e sem tempo de me defender.
quando percebo, já caí em fantasias...

"tu: cavas minha mente
em retalhos"

beijos.

Anônimo disse...

Valeu Samantha. Obrigado por tuas palavras.

Anônimo disse...

eu é que te agradeço. muito obrigado, valeu !!!!

katherine funke disse...

"e os segredos deixei-os nas gavetas vazias/querendo-se descobrir àquela fundura."

lindo. tem lugar melhor para os segredos? desconheço.

Anônimo disse...

Ediney e Katherine, voltem sempre.

Anônimo disse...

Querendo-se descobrir àquela fundura...teu texto me pareceu assim tbm, inconseqüente. Mas eu fiz uma leitura superficial pq me encantei, e tive que driblar o fato que tô de saída. Eu volto p/um comentário mais honesto e decente(:

. fina flor . disse...

Muito bonito e forte o poema!

Amores assim fazem a vida valer a pena.

beijos e obrigada por suas gentis visitas,

MM.

L.Reis disse...

...tão nu...
...tão visceral...