Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quarta-feira, janeiro 31, 2007

ESPIRAL

Cansado de indagar
ele se curva, ramo
pendente de abismos,
a brevidade vã que
turva – excesso de luz
sobre a coisa viva,
cor demais, que ofusca
a incessante busca
de sol pela flor nativa.

Do alto vacilante ele
mira o fundo do vale
inundado pela manhã
com sombras, e no afã
(desesquecido do seu
instante-ramo) quer o
mergulho sem asas, o
abandono à sua medusa,
que do seu próprio

peito vaza. Mas se
faz de si o centro quem
o estapeia é o vento
que arranca o ramo
na direção contrária,
e a sedução do vôo
abismo adentro se
interrompe, e o faz
dobrar ante o céu cinzento.

Primeiro curvado; depois
prostrado. Antes, porém
assoberbado de razão,
era el hombre dentro
de la piel, que se tinha
inteiramente são. Deu
nomes para que se
apoiasse sua fragilidade
de ramo, abusou de

pseudo-bálsamos. Tais:
cânhamo, deuses, rosas
carnais, a negação
pelo desdém, oscilou
no vai e vem das
espirais onde se
enovela o ser e
a palavra explode
mas não colhe espigas.

Voltou-se para o fim.
(Pai Eterno!) Sujo de
crendices, de confusa
ciência, (Olhai por
mim), porém se
percebe apenas
ramo, não o último
nem o máximo no
cosmogônico jardim.

João Filho

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