Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Pintura de Nelson Magalhães Filho. 2004-2006, mista s/ papel. 70X50 cm


Com olhos resvalando eu me encaminho
arrastados passos nesta rua oscilam
como uma flor que reluzente chove:
a cidade incendiada.
Reduzir a cinzas essa chuva.
Por acúleo mordo um rosto percevejo,
em inexistência rompem-se solenemente árvores.
Esta é a cidade das sombras
tão nauseante quanto os ventos escuros,
negro seu olhar fitou predatório de insetos e murmurou.

Nelson Magalhães Filho

3 comentários:

Anônimo disse...

eu não sabia que vc podia ficar melhor pintor ainda, como vc consegue,cada pintura que vc coloca no blog eu fico admirado,assim fico sem ter o que dizer só olhar e olhar.cores que são certezas de encontros, encontros de eternos desencontros, um embaralhar emoções em uma fudante perda de todos os medos. enfretamento e a cidade é das cores e medrosos correram e chamaram mamãe.e mamãe nada.

Anônimo disse...

a cidade das sombras vermelha de labaredas e insetos em cargos e carros bonitos e tanta gente nas sombras e predatorias pessoas sorrindo moscas e cuspindo indecentes beijos.esta é a cidade extinta já dizia bernardo, e tem o cheiro de cancer em estado terminal.mas ela tem que ser salva, pois tem tambem poetas de verdade como: L.f.,N.M.F. e a doce Pat, e um musico como Zé de Rocha.

Anônimo disse...

Buenas,indiquei o seu blog para um amigo,músico.Ele ficou impressionado,emocionado com o poder de suas telas.Confessou entretanto que este poema da cidade das sombras o deixou "abalado".Realmente ele traduz nossa realidade,acoitada atrás de grades e muros eletrificados,sob o símbolo do medo e da cruz...