Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Pintura de Nelson Magalhães Filho. Série de 2004-2006, mista s/ papel, 70X50 cm

CAVALOS DISCORREM PELA AFÁVEL NOITE

cavalos discorrem pela afável noite
até ficar insuportável beijá-los
- com a língua beijar cavalos -
o tempo não passa nunca
o tempo chora sangue de anjo sangue de cavalo.
ainda não sei o que tem dentro de mim
que não passa nunca e chora
sangue de cavalo sangue de anjo.
eu cambaleava pela afável noite de ontem
com a sede insuportável do beijo
vadiando pelos becos escuros da gamboa
vadiando pelas ruas estreitas
esculpidas de perturbados da gamboa.
aí eu começei o canto esganiçado
para você me ver assim: uma
muralha de dor,
uma carne tecida de flores
que vão ficando álgidas de aves marinhas.
meu amor que não conheço apenas me pasta
neste tempo perdido no mar negro
abortando cavalos e cadelas e rezando pro anjo.
vivo pastando no mar negro como peixe boi
estrela do mar negro percorro temporais selvagens
e cada vez que me perco pela afável noite de ontem
o oco de mim vai vomitando
um sentimento nostálgico de perdas
espelhos de mortos com seus ossos de medo.

Nelson Magalhães Filho

2 comentários:

Anônimo disse...

olhar essas pinturas e ler esses poemas é ter a ceteza da razão do medo dos que tem medo dos seus proprios ocos e são eles proprios vomitados prara o espelho dos mortos

Anônimo disse...

Buenas,este poema é um conforto,um grito,ou um canto estridente que faz-se urgente,que possa ecoar no nosso sub-solo mais fundo e imperturbável para acordar e expulsar sentimentos nostálgicos,terríveis e não identificados."o tempo chora sangue de cavalos..." Gracias.