Teu cheiro amarfanho durante toda a cidade
e nos dentes postos sobre a mesa
como um escapulário tua lascívia eu pressinto.
Nem a lua nem teus olhos certamente me salvarão deste teu cheiro espesso.
Eu cresci nestas estranhas paragens sem estrelas entre bichos e flores
como se não fossem cobertos pela escuridão.
Apenas arfava um golpe entre o vazio de mim
e a captura de insetos do inferno em teus cabelos.
Em inquietude, me preparo para a dor.

Nelson Magalhães Filho


"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo."
( Fernando Pessoa: Tabacaria)




Realizar trabalhos de arte a base das experiências existenciais, como transpor as imensidões dolorosas das noites urinadas. Fingir figuras concebidas do desejo e da amargura. Instigações obscurecidas pela lua. Não acretido na pintura agradável. Há algum tempo meu trabalho é como um lugar em que não se pode viver. Uma pintura inóspita e ao mesmo tempo infectada de frinchas para deixar passar as forças e os ratos. Cada vez mais ermo, vou minando a mesma terra carregada de rastros e indícios ásperos dentro de mim, para que as imagens sejam vislumbradas não apenas como um invólucro remoto de tristezas, mas também como excrementos de nosso tempo. Voltar a ser criança ou para um hospital psiquiátrico, tanto faz se meu estômago dói. Ainda não matem os porcos. A pintura precisa estar escarpada no ponto mais afastado desse curral sinistro.
Nelson Magalhães Filho

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Pintura de Nelson Magalhães Filho


ABORTADA
"...não consegui chegar a nada. Nem mesmo tornar-me mau..."
Dostoiévski


Movimento-me entre lanças
assanhando as tranças,
imitando a "dança das borboletas"
que esmago
contra as tetas
das têmporas que pulsam
em compasso de aneurisma...
Não aceito que empurres
esta paz azedada,
alojada
na ponta da espada
das flôres que murcham
em hostis cataclismas...
Sustentado num fio
descoberto
vou-me suportando
em noites de martírio,
com remotos delírios
e jorros de escuridão.
Quando me abandonas
nu
baile das bestas
das madrugadas insanas,
agasalho-me em sextas
feiras
apinhadas de ratos
aninhados nos trapos
dos retalhos de mim...
Agora,
avanço bem lento,
cravando as unhas
lá dentro
da goela de outros,
imbecis e afoitos
que entre
mugidos e arrotos
vomitam
sim, sim, sim,
ao destempero dos ferros
que repisam os calos
aos gritos e berros
até que embalsamem
o cadáver da paz
que meu peito abortou...

Luciano Fraga

5 comentários:

Anônimo disse...

LUCIANO FRAGA O POETA DAS DORES -AMORES - CONFORTO DAS ALMAS QUE COMO DISSE O RUSSO NÃO CONSEQUIU NEM MESMO SER MAU.MAS, SOFRER A SOLIDÃO, NÃO DA PELE, ANTES VAZIOS INTRANSIGENTES E EVIDENTES CAMUFLANDO A MORTE EM DOCES VENENOS.

Anônimo disse...

esse quadro me impressiona, a leitura das emoções do interior do corpo humano como uma via-lactea de intenções. a possibilidade infinita das conexões das existencias.traços, re-traços, mundos devermelhos em loucos passeios pelo humor. humus. onde está a enkratéia? somente o trabalho responde a essa pergunta. a emoção transborda momentos.

Anônimo disse...

a emoção transtorna sentidos e disvirtua toda prontidão.o oposto da enkratéia a emoção desorganiza a vida para permitir a vida.

Anônimo disse...

Buenas,esta tela é muito mais que um aborto.È assistir a dissolução lenta,cruel da própria vida,tingida de vermelho.É o renascer de um novo ser...

Anônimo disse...

Luciano Fraga, gosto deste poema, ele arranca emoção do leitor.Um abraço e bjs Lita Passos